Acontecer (no campo de margaridas amarelas)
Voltei. Corri com os pés ensanguentados pela saudade. Doíam-me os dedos. Que se desviavam na ansiedade de chegar primeiro. Ali, na euforia do Sol. O campo de margaridas amarelas. Sobreviventes na audácia de quebrar o alcatrão. Pelos meus olhos, demorou-se uma música que brotava da terra. Assim, em risonhas e quentes leiras que disputavam o Sol. Há locais que se alongam para além de nós. No recanto da minha pele, ouvi a o silêncio. E quis ser folha, pétala. Horto. Tanto que cobicei a raiz! E haste erguida na cruz dos montes. Água e pólen. E ser vento para de mansinho beijar o teu corpo. Mas um pranto chegou na aridez do caminho. Deter as tuas mãos nas minhas. Dizer-te que sim. Que não. E correr pelo teu colo como se fosse um campo de margaridas amarelas. Saciar a sede nos sorrisos disfarçados. Delirar a cada doce palavra com sabor a canela. Ouvir o grito, saber a voz.
Vesti o vestidinho de chita. Com florinhas amarelas e um lacinho na ponta. No olhar, coloquei o orgulho sorridente dos teus lábios. Na minha cabeça, senti a quente doçura dos teus dedos. Na pele, arrepios de vaidade. E escutei a música que vinha de ti. Fui na maré que corria na brutalidade da seca. E vi os candeeiros despojados do nada. Sem projectos para estrear. Capricho de quem tem luz o tempo inteiro. É domingo de Páscoa, mãe. Não inaugurei nenhum vestido novo. Deixei de gostar. Não fiz nada. Nem estreei os sapatos de verniz. Porque, no campo de margaridas amarelas, vi sombras magoadas nas terras enlameadas. E as lágrimas jaziam derrotadas até à raiz.
Voltei. Pelo trilho do Sol. Na teimosia do desalento. No vazio das palavras. Na míngua dos pacotes de amargo chocolate. Enquanto, o cardo elevava os olhos para o céu. E o vestidinho de chita se despia das floritas amarelas.