No rio [no tempo do verão]
Por vezes, tantas são as vezes, apetece-me ir para trás. Não que queira, não que corra. Somente deslizo. É o tempo que suplica um beijo à tardinha. O vento que impõe a frescura do abraço. E eu não vejo a simplicidade do caminho. É o mel que escorre pela areia. São os corpos encharcados de azul. São as algas que se enredam na rima das marés. Somos nós. Que nos poupamos no excesso das dunas. É a areia que se desfaz. É o sol que acende as nossas tréguas. E eu não antecipo a outra margem. É o meu tempo que cai desamparado nas sombras do carreiro. É o teu sorriso molhado que escorrega pela serra.
Às vezes, o rio concede-me as tuas mãos. Tantos acenos. Mais abraços. Mil afetos. E as gotas salgadas sorriem na aflição dos gritos dos pinheiros.
Depois, agarro o céu. Destapo o dia. E fica a distância que há entre mim e os restos dos botes que morrem na praia. As nuvens içam as cores rasgadas que sobram da tarde e a margem do meu olhar. E tu dizes que tens procurado.
Há momentos em que perco o olhar. E não faço nada. Apenas o rio faz o que pode.
Fotografia de Jorge Soares