Porque me apetece. Vou postar à educação. Postar é uma palavra que tem piada. Sou avessa a anglicismos e tantos que eles são. Todavia a este neologismo, a este empréstimo informático, confesso que acho imensa piada. Não piada que me faça chorar rir, como me acontece quando o meu rir vem de dentro, mas graça. Só graça. Postava a própria, a Graça, que postar relaciona-se com a posição, vertical - creio - relativa a um poste. Encostada ao dito. Porém, também ocupar um posto - e o meu é mesmo de professora; também pôr-se de vigia - e eu estou atenta ao meu trabalho; também ter um posto - e eu sou responsável pelo meu; também permanecer num lugar muito tempo - e eu já cá ando há uns anitos. Para mim, postar cheira-me a peixe-espada grelhado no carvão num fim de tarde à beira-mar. São postas que se cortam a um ser alongado, brilhante e prateado. Ou preto. Mais gordo, mais suculento. Postar é, portanto, cortar o peixe às postas, muitas postas. Ou Posts... Cada pedaço, cada naco uma posta. Assim sendo, postar é colocar um post. Post-it? Aqueles irritantes papelitos amarelos, agora de todas as cores? Antes, um post scriptum numa carta que enviámos para a terra? Há quem tenha, eu não. Post mortem? Ainda é cedo. Post meridiem? Já é tarde! Há muito que foi meio-dia. Fico-me pelas postas. Postar é escrever às postas. Cada post é uma. Por vezes são frescas, outras excessivas, talvez congeladas, porventura escassas, quem sabe se desnecessárias... Depende de quem come. Eu cá vou continuar a postar... com gostinho a peixe-espada assado no carvão. Com educação!
____________________________________________________________ Educação e vida
_____________________________________________________________ Um hino à (des)educação
______________________________________________________________ Cópia dos pais
A palavra "buraco" é magnífica e grandiosa. Quase como "coisa". Quase como "pois". Quem disse que não? Buracos de todas as formas, de todas as cores, de todos os sabores... Por isso, há queijos com buracos, rotos, ocos, vazios, esfomeados, suculentos. Neste momento sinto um buraco no estômago. Não que esteja roto. Não que tenha orifícios tamanhos e inusitados. Simplesmente está vazio. Tem fome. Uma expressão popular e corriqueira a significar a minha fome. Então, o melhor mesmo é entrar no buraco. É como quem diz, vou para casa. Vou tapar o buraco que tenho no estômago . Ficarei muito mais confortável. Optei por não comer o restinho que sobrou do jantar. As opções também nos levam até grandes buracos. Invento. Lá vem o buraco! Faltam-me ingredientes, rareia-me a paciência, sobra-me a fome. O buraco está no estômago. A solução na minha cabeça. Termino à mesa com as sobras do dia anterior. Menos mal. Inventei um buraco sem qualquer necessidade. Por vezes, cavamos o nosso próprio buraco. Findo o repasto, tive que ir à rua. A Hera exigia. Pronto, outro buraco. Não o originei. Antes uma herança de um filho que saiu deste buraco. Cão é cão, neste caso cadela. Mal virei costas, lá estava ela a esgravatar num buraco. Não tenho culpa que a Junta de Freguesia deixe os buracos abertos, à mercê de qualquer cão bisbilhoteiro. E temos com cada um! Na minha rua são às dezenas. Se se multiplicar por por todas as ruas e estradas deste país esburacado chegaremos a um número... Nem pensar! Não sei fazer estas contas. Que extravagância a minha! Outro buraco? Nem tenho vocação para números. Mas que há muitos, lá isso há. Já os vi. Até na televisão que não se cansa de mostrar os buracos que existem para aí, enfiando-nos pelos olhos dentro. O melhor é não conectar o botão. Ou a ficha à tomada. São mais uns buraquitos. O buraco da camada do ozono que afinal não é um verdadeiro buraco. Trata-se, creio, da redução da camada do dito. É muito ruim não nos preocuparmos com o assunto, pior é não fazer nada. Outro buraco na minha vida. Eu penso que quem anda lá por cima sempre podia fazer alguma coisa... Sempre está mais perto. O buraco do défice é outro. Todos os dias me enfio nele. Que aborrecimento. O senhor primeiro ministro, e os outros ministros todos, bem nos alerta. Tapete aqui, tapete ali... não resulta. Temos que o pagar. E é caro. Muito caro. Mais um buraco no calcanhar. O buraco que se chama política e políticos, evidentemente. O buraco da esquerda , mas também da direita. E o do centro é mesmo um enorme buraco. Só que uns saltam por cima, outros passam ao lado. Restam os desgraçados que não o podem evitar e acabam por cair. Inexoravelmente! E as fendas na lateral do meu prédio? Não são buracos? E aquele beco sem saída onde enfiámos o carro? A inversão de marcha resolveu o problema. O pior foi quando foste enfiar a viatura no buraco do estacionamento subterrâneo. Não foi um grande buraco? E aquele encontro a que não pudeste ir? Outro buraco, sem dúvida. E aquela fila de trânsito que nos impediu de chegar a horas? Já viste o buraco que nos arranjou? E o Benfica? Mais um buraco na vida. Os homens ganham bem, deviam ter cuidado. Havia necessidade de tanta desgraça? Confundirão eles a bola de futebol com um berlinde? Será por isso que não acertam no buraco? E o buraco da educação? Nem o facto de ser uma das poucas formas de alguns saírem do buraco em que nasceram me consola. Estou mesmo metida num grande buraco. Um buracão, digo-vos eu que ando por lá todos os dias. Hoje não, que é dia de buraco lectivo. Ao menos um que me pareça bem. Uma excelente razão para ter os dias contados. Parece que vão extinguir os buracos lectivos... Restarão os furos que são parecidos. Buracos é que não faltam. Vou continuar a tapar buracos... Não vá alguém espreitar pelo buraco da fechadura. Ou lembrar-se de tapar o buraco com uma rolha!
Quem tem medo compra um cão... A mim sobrou-me uma cadela. A companhia da minha solidão. A sentinela de muitas gargalhadas. A guarda dos meus medos. A receptora dos meus afagos. A cúmplice das minhas lágrimas. A vigia do meu tempo. A mensageira de ternuras. Acessório principal.
Uma sala de aula igual a tantas outras... Mesas desajustadas às pernas compridas dos alunos; cadeiras curtas, desproporcionais ao tamanho deles. Um quadro preto marcado pela varicela que ninguém apagou. Umas janelas que há muito não cumprem a sua função. Umas paredes incolores, frias, nuas.Vinte e quatro alunos sentados. Uma professora com outros tantos enunciados na mão, pronta a confirmar o medo que lhes sobrava dos sorrisos acinzentados. Uma porta escancarada, a cumprir-se janela. Um dia de teste. A tarefa foi iniciada ao mesmo tempo. Cabeças mergulhadas no papel, dedos nervosos e inquietos passavam para o papel conteúdos aprendidos, conteúdos já esquecidos, conteúdos a haver...Porém, bem cedo começaram as desistências... Cabeças no ar, rostos atormentados, talvez arrependidos por não terem estudado. Por não me terem escutado. Eu lia um livro. Umas quantas páginas, depois parei. Cansei-me... A leitura é cumplicidade, é intimidade e eu tinha muitos olhos a mirar-me. Não sei se por inveja, se por admiração ou se por estranheza... Não têm hábitos de leitura. Um ou outro já me segredou que nunca ninguém tinha lido para eles, apenas eu... À noitinha vou retomar a leitura. Olhei para um, depois para outro e a seguir para a porta... Um arbusto de folhinhas miudinhas, de flores branquinhas confirmava a Primavera. Apesar da distância, entrou... trouxe raminhos frágeis, frescos, insinuantes até à sala. Era o vento que lhe sussurrava segredos, coisas do tempo. Era o vento que lhe cochichava que na Primavera tudo pode acontecer. Frio, vento, sol, chuva, calor... que o ciclo se repetia. E à minha memória chegou a redacção que a minha professora da terceira classe sempre pedia nesta altura do ano. Aquela que, invariavelmente, explicava que a Primavera é a primeira e mais bonita estação do ano. A minha escrita confirmava de forma muito sabedora que os dias começavam a ficar mais amenos e maiores. Que a natureza ficava repleta de cores vivas e tudo era muito belo. Nunca me esquecia das borboletas e das andorinhas... nem das roupas frescas e dos frutos vermelhos e da erva verdinha. Acabava sempre com um conselho muito ecológico. Que devíamos cuidar das árvores e até plantar mais algumas. Não me deram atenção e estamos como estamos. Tocou... não sei se o primeiro se o segundo toque - porque há dois! Recolhi os testes. A demandada começou. Que respondeste na número dois? E na seis? O que é uma oração? E a análise sintáctica?...E lá foram para a brincadeira com as mesmas certezas com que entraram. As dúvidas deixaram-nas nas respostas que escreveram. Os meus alunos não viram o arbusto de flores brancas e folhas miudinhas. Estavam de costas para a porta. Não viram a Primavera entrar na sala. Estavam distraídos. Não leram a minha composição sobre as borboletas e os frutos vermelhos. Não gostam de ler. Alguns nem notaram que li umas quantas páginas de um livro. Excepto a A., uma menina de sorriso franco. De gargalhada aguda, talvez para se defender do rigor da vida. Chegou até mim, sorriu, estendeu uma mão ávida de afectos e disse tome, é para si... Olhei, não percebi de imediato e ela insistiu fiz para si, é um marcador para não se esquecer da página... Da página? perguntei. Sim, não estava a ler um livro? É bonito?
Ela foi-se embora e eu coloquei o marcador, uma tira branca de papel com autocolantes... florzinhas, na última página que lera. Para não me esquecer do sorriso honesto e rasgado da A. Obrigada, minha linda.
Numa aula condenada à monotonia de um teste dedicado ao texto narrativo aconteceu poesia. A da flor, da Primavera, do livro e da A. ... e a do marcador de papel, com floritas e um beijinho.
Hoje é sábado e foi noite de cumprir acordos esboçados durante a semana. Minhas amigas, rejubilámos todas sete. Jantámos na RP! Acabámos no C. Pois foi, até chorei a rir...
Hoje é Abril. A efeméride faz-se a 25 com circunstância e pouca pompa... Abril é já mês de nevoeiro com saudades da Primavera que inaugurou. Abril é aquilo que um Homem quiser e seria fantástico que todos quisessem. Querer deixou de ser poder! Poder é cada vez mais querer... e há quem possa.
Agora apetece-me cantar Abril. Escancarar as portas e janelas que Abril abriu, até as minhas que em Abril nasci.
Hoje é Abril, todavia na minha cabeça é Janeiro... está um frio de rachar... parece que o mundo inteiro se uniu para me tramar... Obrigada, Rui Veloso! É isso, sinto-me tramada!
Hoje é Abril?
O novo diploma de gestão escolar, decreto lei n.º 75/2008, já foi publicado no DR. Tem muitos aspectos altamente preocupantes. Com a aplicação do novo modelo de gestão escolar, previsto para Maio de 2009, com os procedimentos a terem início em Setembro de 2008, fecha-se o círculo: fica pronto o edifício legislativo da recentralização curricular e pedagógica, da extinção da liberdade pedagógica dos professores e da governamentalização e politização das escolas.
Quando os directores tomarem posse, ninguém os pode acusar de estarem a trair os professores. Os novos directores não representam os professores e não respondem perante eles. Os novos directores são funcionários, ex-professores, que respondem perante duas tutelas: o ME e as câmaras municipais.
A partir daí, acabou a democracia nas escolas. Os quatro aspectos mais gravosos do decreto-lei são:
- O director designa os coordenadores de escola ou estabelecimento de educação pré-escolar; - designa os coordenadores dos departamentos curriculares e os directores de turma; - selecciona e recruta o pessoal docente, nos termos dos regimes legais aplicáveis; - designa os membros do conselho pedagógico.
Isto representa o fim das eleições nas escolas. A morte da democracia escolar.O calendário estipulado no diploma prevê que, até final de Maio de 2009, estejam concluídas todas as etapas do processo, incluindo a alteração dos regulamentos internos dos estabelecimentos e a eleição do primeiro director.
O decreto-lei, que entra hoje em vigor, dá às escolas 30 dias úteis para que desencadeiem a eleição do conselho geral. Porém, no entendimento alcançado recentemente com os sindicatos, o ministério admitiu que esse prazo pode ser estendido até 30 de Setembro.
Ramiro Marques
Hoje foi Abril... Os cravos estão a transformar-se em cortiça. Vou ouvir a liberdade feita em palavras... um presente de amiga. Obrigada. Rejubilemos amanhã.
O ponto de exclamação é um ponto muito sensível. Isso todos nós sabemos. Piegas, mimado, assustado, admirado, hesitante, irónico, emotivo, trémulo. Chego a ter pena dela! O ponto de exclamação não é necessário, é redundante... Não bastam as palavras para dizer? Para quê tantos gritos, quando apenas as maiúsculas é que reclamam do erro ortográfico?
O ponto de exclamação? Podemos lê-lo mesmo quando não está lá... Depois, tem aquela forma enroscada, barroca sem talha dourada. Não é qualquer um que o desenha com correcção São precisas mãos de artista, ágeis e expeditas. Cansa, conceber um ponto assim!
Como se não bastasse, exige a presença de um ponto, de um pontinho... É, sem dúvida, troçar com o infortúnio dos outros. O mistério instala-se.
Tratar-se-á de um ponto final desempregado? Não custa acreditar. Há tantos neste país desocupado.
Ou antes roubado a umas reticências distraídas? Bem-feito! Tivessem terminado a frase. Eu sei, não se pode dizer tudo...
Terá sobrado de dois pontos impotentes para marcar o discurso directo? Bem-feito! Tivessem assumido o que disseram. É feio roubar as palavras aos outros. É sempre vergonhoso roubar, sem dúvida. Mais horrendo é pegar nas palavras de outrem e gastá-las em proveito próprio. Que erro ortográfico tamanho!
Terá entrado em litígio amoroso com o ponto e vírgula? Bem-feito! Nada mais acessível que o divórcio, mesmo que litigioso. Quem tem necessidade de viver rebaixado a um ser que odeia? Ninguém!
Terá sobejado de um ponto de interrogação irritante e mal educado? Bem-feito! Não é indispensável ser mexeriqueiro, apesar dos mirones germinaram como escalracho nefasto às searas ortográficas. Nem estamos em tempo de fazer perguntas! Conjugue-se o verbo obedecer.
Seja como for. Gosto do ponto de exclamação! Seja como for. Odeio que o transformem em desgraça anunciada.
Já não se pode ter emoções?
Sou a favor do ponto de exclamação. Talvez seja necessária uma Ordem... A Ordem da Exclamação ... Um Decreto-Lei, um Despacho qualquer... um Estatuto. O certo é que urge avaliar o ponto de exclamação. Que venha o modelo, mesmo simplificado.
Permite-me enfatizar opiniões, mesmo que as não possa dar. Veicula ordens, mesmo que só deva obedecer. Transmite uma forte carga emotiva e eu sou uma mulher de emoções.
Hoje, porque é Abril!! E Abril chegou de madrugada, de mansinho ... com canções na garganta.
Naquele dia acordara bem disposta. Seguramente pela promessa de um Sol radiosos. Amarelo. Redondo. A chuva sempre teve o condão de me irritar. A meteorologia previne a pluviosidade a chegar, aconselha o guarda-chuva, sem saber a raiva que gera em mim. Chuva, vento, frio... é uma ilusão. É assim que o sol se começa a ver. Porque não para mim?
Era domingo. Um dia inútil, completamente desenquadrado do ritmo semanal. Mais laborioso, mais banal... ao domingo nada acontece, nada se faz à espera da segunda-feira. Todos o desejam ávidos da liberdade dita na recusa do relógio, sequiosos do patrão que não têm, sedentos do tempo sem destino. Detesto-o. Talvez por ser um dia de nada durante o qual se deseja que tudo aconteça. No domingo não cabe tudo, é só um domingo a evocar o Entrudo ... É ao domingo que experimento a dolorosa sensação de ser resto de qualquer coisa ou de tudo ou de nada. É que o domingo não chega para a minha fantasia.
Aos domingos as ruas enchem-se de transeuntes que circulam importantes e distantes de tudo. Está frio. O vento desatina! Mulheres petulantes disputam-se na inveja evidente dos seus olhares furiosos. Passeiam-se nos seus casacos de peles, tão reles, empoleiram-se nos saltos agulha de sapatos de verniz. Enlouquecem ao domingo. Mas eu, que sou raposa verdadeira, desmitifico as imitações. Talvez não o devesse fazer, porém exaspera-me tal aparato. Tão incipientes e indolentes, coitadas. Pacientes senhoras. Umas num simulacro total, outras na vivência de actos repetidos e fingidos. Que jogo. Chegam a acreditar que são raposas e eu não. Bem aventuradas imitações. Salve-se a minha que é pele a preservar.
Aos domingos os maridos dão o braço às esposas. É domingo. Exibem as peles que pagaram e dão luz às fêmeas que esconderam durante a semana. Qualquer raposa coraria. Muito sóbrios, nada de raposeiras que são espumantes vulgares nos rótulos que pululam por aí. Determinante a etiqueta. Grave não saber ler ou não ser capaz de entender a astúcia humana. Aquém fico eu de tanta manha. Sou mais discreta, porventura mais esperta.
No monte, onde resido, não era domingo. Aí as raposas verdadeiras, porque matreiras e ardilosas ignoravam os centros comerciais . Naturalmente ! Saí da toca ainda o Sol não acordara. Madrugada plena, orvalhada, natureza ensonada, estrelas cintilantes e nada petulantes. Àquela hora a luz escasseava e que falta ela fazia! Vale-me a grande capacidade de adaptação.
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]