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ponto de admiração

ponto de admiração

30
Jun08

vulgaridades

Paola

h  férias de assuntos sérios

 

Apetece-me escrever sobre o tempo. Dizer que está bom. Agradável, apesar do calor. Que o Verão, este ano será muito quente. Nunca se sabe. Se calhar em Agosto vai chover. Não, não vai. O mais quente dos últimos anos. Enfim, repetir banalidades. As férias estão quase aí. Fantástico. O Algarve também. Eu não vou, fico por aqui. E tanta gente que vai de férias. Até para o estrangeiro. Até para Porto Santo. Duvidam-se das fantasias estivais. O país está a pedir. Não se percebe tanto luxo. Só para uns que os outros vivem o ano todo sem alternativa. Não às férias, mas ao emprego. E as férias mais não são que o intervalo na vida da gente. Uma pausa desnecessária para quem não tem tempo para elas. Afinal, o trabalho já falta. A inflação é tão alta. No entanto, o congelamento refrescou os corpos.

 

Apetece-me escrever sobre Agosto. Um mês com dias suados. Dias neutralizados por um país a correr para o sul. Às vezes sem norte. Sabe-se lá a sorte que essa gente tem. É preciso fingir. E Agosto é um mês despido de preconceitos. Faz topless. Aventura-se nu em lugares recônditos. Para que ninguém o vejo e não saiba o que vai para aqui. Porque a tanga não beneficia todos os talentos corporais. É tempo de anunciar aos vizinhos que as férias são ali e acolá. Reinventam-se os destinos dos outros. E corre-se para baixo. Ou fica-se por aqui. O carro é novo. Há que gastá-lo. Vai-se à terra, como quem vai para outro lado. Por imposição, por convenção. Agosto é um mês de imperativos a mostrar. Agosto tem tempo para espraiar males sociais.

 

Apetece-me escrever sobre o cão. Não posso. Afinal, o bicho é uma cadela. De passeios ao fim da tarde. Muitas vezes contrariados. Ela quer eu é que não. Outras pela manhã. Ela quer sempre eu é que nem por isso. Mas vou. Estorvos caninos. A culpa não é dela. Sou eu que quis. E ainda quero. E finjo uma contente digressão. Toda a gente aplaude. Pois é! Tem que ser. Cumprimento este e aquele. Fala-se de raças. Os bichos partilham cheiros e ladridos. Dizeres aparvalhados. Afectos autênticos. E ambiciono ser cão. Cadela é que não. Trocam-se amabilidades habituais. Circunstâncias entre amos de animais, enquanto os bichos se farejam.


- É cadela?
- É, não tem mal. Ladra grosso, mas até gosta de socializar com eles. Só quer brincadeira.

- Mas é cadela…

- Pois! Cadela com cadela não resulta muito bem.
- As mulheres também são assim… cadelas umas para as outras.

 

Não entendi. Está calor. Passo para o lado de lá. Pela passadeira, não concluam os carros que fui de férias. Olá, boa-tarde. Então por aqui? E as férias. Só em Agosto. Estão quase. E o cão adora praia. Já nada muito bem. Que bom para ele, pensei.

 

Apetece-se escrever sobre frivolidades. Inutilidades diárias. E ler revistas coloridas de rosa. E de azul com muitas fotografias. Saber da vida dos insignes. Invejar-lhes as casas. Mesmo que só no Verão. Cobiçar-lhe os iates. E o mar. Suspirar pelos vestidos com alças muito fininhas e querer roubar-lhes a pele tisnada pelo sol da Polinésia Francesa. E os sorrisos compostos para cada uma das páginas.

 

Sempre que eu escrevo sobre vulgaridadess, a minha cabeça só pensa em vulgaridades. Por isso, é que me apetece escrever sobre vulgaridades. Se eu escrevesse sobre assuntos grandiosos, teria que apostrofar a vida. Que é mesmo macabra. Ruim. Turbulenta. Cadela! E chorava. E não me apetece.

28
Jun08

pilar

Paola

m pilares amigos e familiares

 

Hoje é sábado. Com arroz-doce ornado por risquinhas de canela e apimentado com cantigas de escárnio e maldizer. Poemas ditos aos intervalos porque a refeição teve um extra de luxo. Gargalhadas poucas. O garoto está no rescaldo de uma boa dose de escarlatina. Dois parques infantis. Com as entradas todas a que ele tinha direito. Baloiço. Adorou. Escorrega. Nem pensar. O Sol nascera arrojado. A manhã antecipava uma qualquer tarde de um Agosto escaldante. Hesitou entre carros. Helicópteros. Cavalos e golfinhos. De madeira e bem coloridos. A todos queria, a todos recusava. Entusiasmava-se com a relva. A alegria estava murcha. O calor começa a escorraçar-nos dali. Ali e além, um pedaço de céu dava uma cambalhota . E as nuvens acinzentavam-se. E naqueles admiráveis olhos azuis surgia a convicção que haveria mais manhãs. Sem nuvens. E haverá!

 

Mudou o cenário. Uma criança não está para se confinar ao primeiro espaço que lhe apareça. Tantas descobertas para fazer. Tanta vida para viver. Outros baloiços. Que a vida também tem correntes. E oscilações. E caos. Bonanças, também. Tristonha por causa da escarlatina. Que deixa marcas no corpo. Um estreptococos obtuso e desnorteado que parou por ali. Que lhe roubou alento. Contudo, brincou e nós brincámos com ele. Depois adormeceu. E foi para casa. Para dormir e sonhar que amanhã também tem manhã.

 

E depois mais isto e aquilo. E ela disse que sim. A outra disse que não. E elas que não sabiam. Mas ele ordenou que sim. O melhor é não valorizar. Concordo! Nem penses, não faz qualquer sentido. Nunca mais se endireita o mundo. Pois é, o mundo é grande e redondo. Escorrega-nos das mãos. Está muito calor. Ainda por cima não pára quieto. Isto do mundo estar sempre a rodar é mesmo uma grande maçada. Verdade, mas a Terra gira simplesmente porque ainda não parou de se mover. Vai girando e, em certos lugares, passa a ser noite quando era dia e, noutros lugares passa a ser de dia quando era noite. Sem nunca parar! Tudo ao contrário. Insatisfações descontinuadas. Impetuosas, no entanto. Mais de dia do que de noite. Prosas de quem aproveita o sábado para se desembaraçar de palavras daninhas.

 

Movimentos giratórios. Em torno do Sol. Lisonja terrestre, certamente. A terra não deveria ser assim. E há quem não desista de forçar a linha imaginária. Não percebem que a verdade não rima com bajulice. Um pilar auxiliaria! Um pilar é um elemento estrutural vertical. Ela é. Uma coluna. Um elemento arquitectónico. Porque esteve. Também o é. Porém pilar é melhor. Só por ser mais resistente. Também.

 

Os pilares têm vida. Cansam-se. Têm direito a morrer de pé. Sem se ajoelharem aos pés de satélites artificiais. Corpos estrategicamente colocados em órbita ao redor de planetas acidentais.

 

E vai para casa. Não com escarlatina que é doença de criança. Vai com o corpo contagiado por ingratidões. Do Sol. De mim tem agradecimento.

 

Não sei, não! Um bom pilar faz sempre jeito. Dá estabilidade. E mais equilíbrio...

 

27
Jun08

cantinhos

Paola

  brincadeiras de infância

 

A minha mãe mandava-me todos os dias para a escola. Independentemente da minha vontade. Para além dos desaforos atmosféricos. A minha mãe queria que eu aprendesse a ser gente. E, todos os dias, eu abalava de casa com uma mala determinada a crescer. E a aprender. No regresso contava-lhe coisas que ela não sabia. Encantava-se. E aprendia também. A mala nunca voltava vazia. Trazia brio e aspiração a ser alguém. Apesar do cartão que lhe construía o corpo. E do enorme fecho ferrugento. Cabia lá tudo. Sonhos, fantasias, brincadeiras, livros, imaginação, lápis. A caneta estava na escola. Um aparo que se molhava no tinteiro estrategicamente enfiado na carteira. Ao centro. Um cabo de pau. Um aparo de aço. A incompetência vinha ao de cima. Corava-me o rosto. Estorvava-me os movimentos. As marcas ficaram-me nos dedos. E nas mãos. Embora se esquivassem às reguadas correctoras. Outras sim, eu lá me ia livrando. Era interdito não ter jeito.

 

- Atenção, meninas! Isto é muito importante. Antes de molharem a caneta no tinteiro, com cuidado, para não se magoarem, metam o aparo na boca, para o molharem com saliva.

 

- Na boca?? – Interrogações silenciosas. O poder não era questionado. Obedecido, apenas.

 

- Se o aparo não for molhado com saliva, da primeira vez que se utiliza a caneta, a tinta não se prende ao aparo e suja as folhas do caderno.

 

- Todas têm as folhas de mata-borrão?

 

O mata-borrão impedia a imundície enquanto se escrevia. Mas não nos fazia melhorar a caligrafia. Nem a ortografia. Deve ser por isso que prefiro o lápis. Uma borracha chega. O mata-borrão é memória antiga. A preto e branco, apesar de me sugerir uma cor alaranjada. Escolhos na vida de criança a aprender a ser gente. Muitas vezes tragédia escrita em papel de linhas com dobra do lado direito. Outras tantas comédias inventadas à pressa para que não fossem descobertas. Mais umas que se faziam arte. Os borrões de tinta negra ganhavam asas como as borboletas. Pétalas como as flores. Sorrisos como as pessoas. Mas só às vezes…

E depois vinha o intervalo. Admirável momento delineado sem aparo. Antes com giz. Pedacitos. Sobras subtraídas ao quadro preto que me obrigava a saber dividir. O recreio tinha o jogo dos quatro-cantinhos. Um terreno livre de obstáculos. E a escola estava mesmo ali. Cinco participantes. E mais cinco. Outra vez mais cinco. Também sabíamos multiplicar e somar e dividir brincadeiras. Dava para todas.

No chão marcava-se os círculos em forma de quadrado. Quatro dos participantes ocupavam os círculos. A outra ficava no meio. E a do centro inquiria:

 

- Dás me o teu cantinho?

 

- Vai àquele vizinho. Responde, pouco disposta a ceder o lugar. Regras do jogo.

 

A do meio ia ao vizinho. As outras trocavam de lugar. Tudo num instantinho. Qualquer distracção possibilitava que a do centro ocupasse um dos cantinhos. Se o conquistasse, as posições invertiam-se. A do cantinho ia para o meio. Nenhuma se lembrava do aparo de metal e do tinteiro branco que ficara na carteira. Nem olhava para as mãos deslustradas pela tinta. Simplesmente corriam de um canto para o outro. Jubilosas. Tagarelas.

 

- Correu bem? Aprendeste coisas novas?

- Sim! O jogo dos quatro-cantinhos.

 

E lá expliquei. A técnica. As gargalhas. A professora. A caligrafia. A táctica. As borboletas. E disse-lhe que quando fosse grande não queria um jogo de jogar sentada na cadeira. A ver no ecrã. E que ia implorar ao Pai Natal um naco de terra só para mim. Com quatro-cantinhos. E quatro amigas! E um pedacito de giz.

 

A táctica não foi a de Nuno Álvares Pereira. Não se aprendeu a lição. E os quatro cantos que há são insuficientes para tanto infortúnio...

 

26
Jun08

o mar do meu país

Paola

p sombras de Portugal

 

Do meu país entrevê-se o mar. Mas o mar já perdeu a paciência. Esqueceu as descobertas. Cancelou as invenções. O mar do meu país está triste. Deixou de sorrir. Desaprendeu a letra da canção. O meu país já não sabe aparelhar os barcos. E ignora quem está além-mar, porque estranha o que acontece aqui. O mar está confuso. O azul-marinho é já azul-turvo. Da cor da decepção.

 

Foi uma terra de gemidos sofridos. Contidos e controlados. Cristalizados ao longo dos anos. Um dia, acordou bem cedinho e fez-se à água. Pegou em armas que não disparou. Com uma flor edificou um jardim que o sol iluminou. O Sol brilhou no céu. As raízes absorveram a água. As folhas absorveram o dióxido de carbono e a luz do Sol. As folhas transformaram a luz solar em açúcares e as flores cresceram.  Briosas. Benfeitoras na alforria de oxigénio para o ar. Admiráveis. A Lua foi para a cama. Fechou os quartos. Apagou a luz, adormeceu e acordou cheia de vontade. Só que o Sol ergueu-se primeiro.

 

O meu país imitou a estrela. Espelhou-se nela. E pediu ao planeta que fizesse as marés. E ele fez. Para cá e para lá. Para cima e para baixo. Movimentos ciclicamente repetidos. A notícia galgou o mundo. Uma preia-mar de comoções e canções. A flor desabrochava. O meu país deu risadas de Abril.

 

Depois vieram rumores vindos daí. O país cumpriu-os. Aliou-se à força dos outros, persuadido que a pujança era contagiosa. Só pelo contacto. E também pelas vozes que proferiam discursos arranjados e encomendados. Erro tamanho! E o meu país dobrou a melancolia. A maré arrastou-o para a praia. O barco já não navegava. Ficou por ali a ver os outros partir e florir.

 

Ele chegou e tudo se transfigurou. O meu país tornou a sorrir. E pintou-se de verde e vermelho. Com pedacinhos de amarelo. E reaprendeu a canção. Esqueceu que uma vez a praia foi de lágrimas. Dúvidas. Medos. Alguns segredos. E partiu seguro da vitória. Não se recordando da História.

 

Às vezes, o meu país suspende o canto. As lágrimas desejam o mar. Às vezes, o meu país não sabe onde está o mar. Ignora que Adamastor chorou. O pobre amou e ninguém notou. A gente do meu país derrama lágrimas salgadas com o sal do mar que é seu. E quer rir. O meu país assumiu as gargalhadas de Junho.

 

Ninguém reparou que o mar se cumpria. Que D. Sebastião não voltou. Porque o nevoeiro não o mostrou. Porque é um mito do tamanho de um país e, apesar de prodígio, não driblou o inimigo. Foi uma desgraça. O sofrimento e a esperança sustentaram a aflição do meu país que cantou em uníssono árias de vitória. Uma terra que esqueceu os oponentes. E nem reparou que os adjuvantes eram de papel. E o meu país está triste. Chora a veleidade de ter dissipado a espessa névoa. Tão triste e tão choroso! O meu país silenciou-se na derrota. As cores já debotam à janela. E ele foi-se embora. E acordam sorrisos amarelos.

 

E agora que os heróis não se cumpriram. Que as vitórias foram balelas. Que a euforia mirrou. O meu país vai contemplar o mar?

 

O meu país permanece a chorar. Com fundamento. E já tenho saudade do mar de pátrias lágrimas sem razão…

 

Por que motivo a Europa foge a sete pés sempre que nos aproximamos dela? Eu cá não arranjo resposta. Não sei não!

 

E veio-me à memória a Península Ibérica a vogar pelo mar n' A Jangada de Pedra.  Saramago deve ter-se enganado. A Espanha é que não. O melhor é mantermo-nos quietinhos. Acomodados à nossa quixotesca e afadigada periferia e de mão aberta para os fundos. O mar e o sol ficarão por nossa conta. 

 

 

 

 

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24
Jun08

na peneira

Paola

l   canções de embalar

 

Cheguei a casa com o corpo gordo de sorrisos. Restos de brincadeiras ameninadas ao intervalo. No princípio e no fim da escola.Tinha saído ainda o sol se espreguiçava no leito vestido de azul celeste. As galinhas dormitavam acocoradas nos fenos amarelados mudados diariamente. Outras sossegavam equilibradas no poleiro em poses acrobáticas. De vez em quando cacarejavam maledicências e blasfémias frívolas. É que o galo já lhes apregoara a manhã. Que elas recusavam. O galo era o protagonista do amanhecer. Ao resplandecer do dia, cantava para acordar quem teimava em dormir e sonhar que o mundo era feito de sapos. Ali mandava ele.

 

Excepto uma que tinha doze pintos para zelar. Chocara-os com enternecimento e orgulho comum à maioria das mães. Sem ter a certeza que todos os ovos lhe pertenciam. Isso era um facto que não lhe interessava. A maternal determinação libertava-a de tais ninharias. Queria parir e pronto. Imaginava-se a maior mãe do mundo. Mesmo que o seu mundo estivesse circunscrito por cercas de arame enleado nos arbustos cortados em forma de presídio. Nada mais lhe importava do que cumprir-se na maternidade. A galinha é uma enorme mãe. Adoptiva ou não. Ser mãe de ovos de outras galinhas não a preocupava. Seriam também seus filhos. Esperou pacientemente durante vinte e um dias. Não perguntava de que barriga chegavam, só que coubessem debaixo o seu corpo. Para os aquecer. Para os proteger. E discorreu que todos os filhos nascem do coração.

 

Pintainhos dependentes. Joviais. Áureos. Buliçosos. As mães nunca dormem descansadas. Ela também não. Porque era mãe. Inefável instante. Os bicos pipiaram a natureza a ampliar-se. As cascas dos ovos rumorejaram vida. A galinha rendia graças ao céu ao mesmo tempo que suplicava ao galo que se calasse. Não fossem eles acordar.

 

Muito de mansinho, harmonioso e doce, um canto embaraçava o perplexo galo.

 

Dorme, dorme

Meu pintainho adorado

Dorme, dorme

Meu filhinho guardado

Ó, i, ó ai!

 

Faz ó-ó meu lindinho

Que te quero muito bem

Dorme meu filhinho

Tua penugem também

 Ó, i, ó ai!

 

Se fosses um passarinho

Até poderias abalar

Assim voas baixinho

Mas aprendes a amar

Ó, i, ó ai!

 

Dorme, dorme

Meu pintainho adorado

Dorme, dorme

Meu filhinho guardado

Ó, i, ó ai!

 
A minha mãe acorda cedo. Mas não sabia canções de embalar. Nem tinha tempo. Nem voz. Já tinha despachado o meu pai. Prepara-lhe arroz de tomate e sardinhas fritas. Ele gostava. Eu também. Ela nem por isso. Chegara a minha vez. Pequeno-almoço tomado, mãos e dentes lavados e vamos lá vestir. Despacha-te! Gritava sempre comigo, mesmo quando o tempo sobrava. Isso não! Veste o amarelo. E eu vestia. O do laço atrás. E eu atava e desatava a fita que me atrapalhava. Não te sujes! Claro que não, mãe. Uma criança nunca se suja de propósito.

 

E lá fui. Carregada de livros e de recomendações. Agora era a vez do caminho. Não aceites boleia de ninguém! Tem juízo. Eu até me considerava uma menina atinada. Logo, para que servia aquela oratória todos os dias?

 

Um dia contou-me que eu dormia num berço. Que o embalava em movimentos ritmados e cadenciados. Enternecimento e enlevo. Carinho e amor. E cantava.

 

Eu estava na peneira

Eu estava peneirando

Eu estava na peneira

Eu estava namorando

 

Ó, i, ó ai!

 

Eu olhava para ela. Depois sorria e adormecia. E sonhava que a minha mãe era mesmo mãe-galinha…

 

23
Jun08

Epístolas

Paola

 

Aos olhos

Amor,

Descobri e vi nos teus olhos.

 


 

Meu amor,

Ontem li um poema. Reli linha a linha e decorei o nome do poeta. Dos poetas todos que se reproduzem e multiplicam por aí. Coitados deles!

 


 

Meu amor,

 

Não te agradeci o gesto, a palavra desenhada naquele papel branco, sem linhas que limpou o meu pranto.

Não te agradeci as palavras silenciadas, omitidas, caladas, vazias no dizer, plenas no escrever.

Não te agradeci os vocábulos que não escreveste, porém pronunciaste no silêncio calado do grito reprimido que os teus olhos não conseguiram esconder.

Obrigada amor.

 


 Meu amor,

Descobri palavras e sílabas e consoantes e vogais que voam mais do que o pensamento, que dizem o que se é capaz de concretizar, que falam o que se quer falar. Mas descobri - ou inventei, sei, lá - as outras . Aquelas que ficam aquém do nosso agir, do querer que fremita em cada um e nós. Essas, meu amor, calam-se porque escassas para nomear a realidade dos nossos corpos, a verdade do nosso amor. Essas, meu amor, - as que te escreveria - não encontro no dicionário.

O que aconteceu  - o que está a acontecer - é magnífico. Demasiado para caber no espaço exíguo das palavras que não sei onde estão.

Ai, palavras! Cedam perante o amor...

Amo-te

Amo-te

Amo-te

Digo eu, dizes tu!

E quando mo repetes, todo o meu corpo descansa, só para te ouvir e para repetir:

Amo-te

Amo-te

Amo-te

Assim, amor na totalidade, inexplicável porque não cabe nos vocábulos, raro nos acentos. Amor que está na intensidade da sílaba tónica e na verdade que lhe queremos dar. É que os sentimentos desejam-se esdrúxulos ou agudos - quem sabe? - graves também.

Perdoa, amor, contudo repara "amar"... Tem dois "ás" redondos como o mundo a girar, sem parar...

Ó Mundo sossega e aprende a conjugar

Amo-te

Amo-te

Amo-te

 

 

Tua já hoje

Amanhã se tu quiseres!

 

 


 Amor,


 

Hoje,  pensei em ti... Lembras-te daquele instante em que rodopiámos os dois? Lembras-te daquela praia que percorremos descalços e cansados de tanto rir? Lembras-te, amor, daquela serra que teimava em abraçar o mar? Lembras-te das pessoas que passavam por ali e sorriam para nós? Foram cúmplices do nosso amor... Lembras-te?

Eu já me esqueci... Não acreditas? Nem eu!

 

 



 

 

22
Jun08

a culpa de Baco

Paola

publicidade evitável

 

 

Ao sábado celebro o arroz-doce. Com canela. Café imediatamente a seguir. Depois, iniciam-se viagens. Fazemo-nos à estrada das compras. Das gargalhadas. Dos orgulhos das crianças que temos. Das partilhas que há muito fazemos. Das cumplicidades também. E, há que confessá-lo, de esconderijos coniventes de palavras, igualmente. Alimentamos o corpo e a alma. Assim, felizes e contentes. Com o tempo todo que o sábado tem. Nem sempre o gastamos por inteiro. Outras vezes não chega. Temos direito a não ter tempo composto numa campainha com voz de soprano. Por vezes sobressalta-se e passa de aguda a grave…

 

Galguei a estrada até ao local de encontro. Sempre pelo passeio, não fossem os carros não reparar. A inevitabilidade mostra-se nos placares exteriores de publicidade. Desabrocham nos passeios como cogumelos. A uns apetece-me comê-los. Outros laminá-los.

 

E lá estava ele. Encontrei-o uma ou duas vezes. Verde. Facto que é logo uma desvantagem. Não é. Nunca foi uma cor de eleição para mim. Gosto de alfaces. De brócolos. De nabiças. E muito de feijão-verde. De todos, apesar da cor. Nem resisto, quando a conjuntura é favorável, a um verde bem fresquinho.  O verde é cor que pinta as flores e as árvores. A erva e a relva. Apenas na natureza é que o verde é admirável.

 

Beber um copo não faz mal a ninguém. Há mesmo quem afirme que beber é uma arte. Essa é que eu não sei. Que beber vinho é um acto de cultura popular. O vinho até pode ser a defesa para a ruptura com a norma. Há sempre a desculpa misericordiosa do coitado, estava bêbado, não sabia o que fazia... Pois que seja.

 

Razões há muitas. É como os chapéus… Mesa. Produção. Transformação. Cultura. Distribuição. Comércio. E sei lá eu que mais. Só porque sim!

 

A publicidade, baseando-se no conhecimento da natureza humana, espreita-nos a alma. Quanto mais lhe descobre as necessidades, os desejos e os impulsos, mais fácil se torna a ofensiva. Sabe-se que a publicidade divulga produtos de vários tipos. Não se ignora a sua vontade de nos despertar o interesse. A vontade de nos fazer comprar. É tudo uma questão de técnica. Uma boa campanha publicitária é meio caminho andado para o sucesso. Entenda-se lucro.

 

Resisto-lhe com frequência. No entanto, tenho as minhas vulnerabilidades como qualquer mortal. Não crucifixo a publicidade. Desta que está no passeio não gostei. Provavelmente não entendi. Não compreendi o slogan. Não articulei a imagem. Foi isso, seguramente...

 

Jovens e saudáveis. Sorridentes e frescos. A idade garante-lhes o rótulo de “dentro do prazo”. Os modelos são perfeitos. A aparência magnífica. O texto e a imagem conjugam corpos jovens e frescos no presente do indicativo. Não é bom. É óbvia a relação. A metáfora apoia-se em rituais antigos. As propriedades do vinho mesclam-se com as da juventude.

 

Corpo jovem. Saudável. Fresco. Os rapazes publicitam o prazer de beber vinho. E a mensagem passa… Os rapazes, e raparigas, que o consumam ficam assim… Como se eu acreditasse que o meu corpo se remoçava com tal coisa. E eu gosto. Lá isso gosto. Discordo que se persista no uso de gente jovem a apelar ao consumo de álcool. Já não chega a cerveja? Nos bons e maus momentos? Com direito a hino e tudo? Não gosto…

 

Existe «uma associação entre os hábitos alcoólicos e outros comportamentos», como a violência. A afirmação foi feita por Carlos Farate, autor de um estudo sobre os «Jovens e o Álcool», apresentado, esta terça-feira, na Assembleia da República.

Os dados revelados indicam que os episódios de comportamentos exteriorizados, como a violência, decorrentes de hábitos alcoólicos exagerados, têm mais incidência nas raparigas do que nos rapazes, ao contrário do que se pensa, «devido a impasses significativos no processo de identidade» das raparigas, explica.

O estudo, apresentado pelo professor, revela que 47,2 por cento dos jovens começa a beber bebidas alcoólicas a partir dos 13 anos. Aos 18 anos a percentagem de consumo sobe para os 93,5 por cento.

 

A culpa disto tudo não pode ser só de Baco. Parece que foi ele quem primeiro plantou a vinha. Porém, a primeira e mais célebre carraspana foi Noé quem a apanhou.

 

Uma cerveja bem fresquinha sabe sempre bem. Culpar os outros é fácil. Falar no diabo é mau. Mostrá-lo ainda é pior. Quanto mais assim tão dissimulado.

  

20
Jun08

pelo alívio de tensões – as regras do jogo / parte III

Paola

  ou a velhice da vida


Eu sigo pelo passeio do lado direito. E o rapaz continua a pontapear a bola. Agride-a com carinho. Com os ténis cansados de tanto rematar. Goleia a equipa adversária. Ergue a taça. Ouve os aplausos e o bruaá da multidão que entoa cânticos de vitória. Marcou o golo do triunfo. Atira-se para o chão e chora. Lágrimas com gosto a êxito. Que é história. Que se faz narrativa ao serão. Ninguém o ouve, porque recolhem atestados de transportes. Desprovidos de tempo para o sono. Sem invenções para aprontar o jantar. Com desejo de dormir e, talvez, sonhar que o dia seguinte acordará domingo ou feriado.Tanto faz. Que bom que ao domingo não houvesse nada para fazer.

 

- O primeiro dia da semana, o domingo, é dia descanso…

- Descanso, não, pai! Irrompeu logo o rapaz. A Joana trabalha na loja no centro comercial. O fim-de-semana dela é a quarta e a quinta! Ela não tem domingo, pai!

- Pois…

 

Esperam uma semana que seja domingo. Vão à missa. Arquitectam um almoço com todos à mesa. Depois, escapam-se para tomar café no senhor António. E cavaqueiam até meio da tarde. Na memória guardam as novidades da rua. Segredinhos de vizinhança. Intensos e banais para que durem até ao domingo seguinte. É sempre assim aos domingos. Às vezes, ainda lhes sobra tempo para ir até ao centro comercial. O miúdo também vai. Só que contrariado. Preferia que lhe vissem o jeito para o futebol. Que o aplaudissem nas vitórias.

 

- Vais ver o meu jogo?

- Hoje é domingo. Vou descansar. Aliviar a fadiga.

- Vem!

- Vais jogar sozinho. Não tens equipa!

- Pois não…

 

Ao domingo de manhã costumam rir à gargalhada. Para enxotar os espíritos. O mau-olhado que a segunda-feira tem. À tarde, desenham projectos para concretizar na fila do autocarro. E não riem. Ainda estão estafados.

 

O garoto e a bola concretizam-se nas imagens repetidas na televisão. Com destaque a cada meia hora. Em horário nobre. Como se a nobreza se atormentasse com a publicidade. Têm jardins com plantas sempre verdes para guarnecer os jardins e espelhos de água. E palácios e palacetes ajoelhados na areia da praia com janelas a espreitar o mar. Os brasões não jogam à bola na praceta da rua de um bairro sem insígnias. Estranham o muro branco da casa das nespereiras. Apoiam-se no esqui completo (botas e bastões) e escorregam nos relvados cobertos com neve.

 

O Ti João tem uma bengala. Foi uma vizinha que lha deu. Há pessoas boas, comentava. Aquela tem mesmo ar de boa pessoa, indicava com o dedo e sorria. Quase que corava. Eu pressenti-lhe o rubor. E não se enganava. Corriam rumores que ele conseguia farejar gente boa à distância. Mesmo no lado de lá da rua. O homem amparava-se naquele pedaço de pau arqueado. Ainda se lhe percebia o brio de madeira nobre e as marcas de uma qualquer incrustação no punho. Provavelmente restos de uma espécie francesa. Com um cabo de prata. Sobras de êxodos clandestinos depois legalizados. Um generoso utensílio a fornecer apoio a quem precisa. Outras vezes artificiosas. Inúteis. Há homens que usam a bengala como sinal de distinção social. Uma bengala como sinal distintivo. Uma bengala que não transformava o Ti João num jovem moderno e airoso. Mas ele sonhava e imaginava que sim.

 

E jogam com as suas ilusões de criança. Um ainda é. O outro já foi.

 

O rapaz remata sozinho. Para um guarda-redes transparente. O Ti João confiava que teria consulta no dia seguinte. Desde que fosse cedo. Próximo da madrugada.

 

Os dois estão desacompanhados. E fantasiam. Inspiram audácias. Que se cumpririam no segundo dia da semana. Para alívio das suas tenções.

19
Jun08

bandeira

Paola

pA mulher entrou no autocarro à pressa. Nos gestos altivos via-se a determinação de não ficar para trás. Nos olhos desvendava decisões acertadas na véspera. Talvez ao jantar. Eventualmente no silêncio da noite. Na cama, ela completara o rol de afazeres. Um conjunto de coisas descritas e enumeradas. Uma relação de actos que não cabe no dia. Por isso, entra noite dentro. Chega ao quarto. À cama onde se aconchega em lençóis em puro algodão liso. De originalidade e qualidade comprovadas em etiquetas formais. Todos os artigos são alvo de rigorosos testes no nosso laboratório, leu no catálogo. Por isso, os comprou. Uma lista rabiscada que cumprirá milimetricamente. Sempre com urgência. Sempre  com ideias fixas.

 

Uma saia evasé na base tapava-lhe os joelhos. Estampado às flores a anunciar o regresso do Verão. E a sua feminilidade. Um padrão actual desenhava umas floritas brancas num fundo cinzento-escuro. Uma camiseta branca, generosa no decote, mostrava um colar de brancas esferas armadilhadas numa corrente de elos prateados. Os pés despiam-se numas chinelas brancas. Uma tira larga resguardava os dedos com unhas vermelhas. Uns atilhos mais finos envolviam-se com os tornozelos. Como a Thunbergia alata da minha avó. Ela não conhecia nome tão erudito. Zelava com muito carinho a sua amarelinha. De tal modo que a trepadeira de magníficas flores amarelas pensava estar acima do bem e do mal. Todavia, todas as manhãs percebia que era escassamente uma menina vulgar. Amarela e Vaidosa. Embora a avó a protegesse com caretas de jardineiro.

 

Cabelos curtos com as pontas alongadas. Assimétricas. Louro-escuro. Hoje, as mulheres pintam o cabelo de amarelo. Ou de vermelho. Um destes dias não há cabelos castanhos nesta terra. Outrora havia. A típica mulher baixa, morena, cabelos pretos ou castanhos, tradicional não se sentia ali. Aquela ostentava bagatelas de modernidade globalizante. Talvez 45 ou 50 anos. Bonita, considerei.

 

Entrou e sentou-se. A mala que transportava ao ombro aninhou-se no colo. Enorme. Branca em harmonia com as sandálias. Com fecho. Com bolsos. Com correntes. Com um lenço atado a uma das alças. Um lenço acanhado. Engelhado e a fingir de bandeira. Por desfraldar. E eu fiquei a perceber como se amava com o coração. Aquele lenço enfezado não era uma bandeira. Não podia ser.

 

Também as janelas expunham nervosas bandeiras. Algumas envergonhadas, já que misturadas com roupa presa no estendal. Outras desencorajadas, já que embrulhadas com cortinados descorados. E mais umas disputavam a terra de recipientes floreados. Pálidas e cansadas. A mala branca permanecia em silêncio sobre os joelhos da mulher. O lenço também.

 

Tempo houve que Portugal se gritava com lágrimas de chorar. Num sossego contido e orientado por gente que se orgulhava sozinha. Era um vocábulo sem amigos. Desconsolado. Isolado. Paciente. Tinha bocas silenciadas mesmo quando entoavam hinos de fé. Tinha mãos duras e cerradas mesmo quando exaltavam a bandeira.

 

Um dia a bandeira desfraldou-se. Cobriu-se de verde e vermelho. Encontrou amigos e disse que sim. Orgulhosa. Vaidosa. Afirmou-se nação. Língua. Povo. País. Símbolo.

 

A mulher deixa o autocarro. Com a mala branca e com um lenço amarrado a fazer de estandarte.

 

A mim acodem devaneios cabisbaixos. Que ao ar livre, a bandeira iça-se ao nascer do sol e arria-se ao pôr-do-sol. Que deve ser erguida com determinação e descida com cerimónia. Em todos os feriados nacionais e datas comemorativas, nos edifícios públicos e de entidades nacionais. Instantes emocionantes, calorosos. É Portugal que se hasteia. E chora de comoção. Pelo lenço não.

 

Tinha que ser o futebol a ressuscitar a minha bandeira? Tinha?

 

Mas a minha bandeira tem as cores do meu país. E a minha bandeira não é do futebol. E o meu país não se reduz a uma bola a jogar. E o fado não conta?

 

Nota - Estou furiosa! Portugal perdeu com a Alemanha. Outra vez! Lá se foi a hipótese de ver a minha bandeira hasteada...um dia será, eles é que não.

 

(A bandeira é de Portugal, porém a imagem é da Internet)

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Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. [Fernando Pessoa]

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