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ponto de admiração

ponto de admiração

21
Set10

entre a casa e a fonte

Paola

 

Entre a casa e a fonte, havia o céu. Que se dizia na penitência da areia. Nos pés enterrados na firmeza do conseguir. Iam com a mesma crença com que chevagam. Apenas mais quentes. Entre a casa e a sede, existia uma fonte. Que se afirmava na cristalina frescura da água. Na veneração da vida. Todos os dias. Enquanto o Sol se demorou por ali. Murchou o orvalho, secaram-se os olhos. A fonte morreu. Mas tiveram que arrombar a distância que vai do nascer ao pôr-do-sol. Permanece a paisagem. Num desenho inigualável que guardo para mim. E um vento fresco e luminoso bate-me no rosto. Uma doce melopeia voluteia na serenidade do dia. Uma concertina dedobra-se na repetição dos acordes. Abro-lhe a porta. E tenho tudo. Outra vez. Sempre que a sede se incendiar na minha boca.

 

05
Set10

quente sabor da areia [na grandeza do rio]

Paola

Dizem-me que um rio é um rio. Qualquer um sabe trandordar das margens. E entoar melodias ao luar. Num espelho e luz e pedir à Lua que o venha abraçar. Que tem água, tem o mar. Falam com o mesmo à vontade com que as pedras rolam do leito. Desfeitas nas lágrimas poisadas. Conversam num tempo de guerra. E os ventos são uma incerteza. As vítimas são sempre em maior número e, nos estaleiros, os barcos agonizam mágoas tão díspares! É distinto o meu rio. Eles nunca entraram na casa que descansa na areia e abre as janelas aos pardais, enquanto as garças se encandeiam num mar de azul-verde. Nunca escutaram a música que ondeia na serenidade do branco. Nem provaram o sal que se levanta no ajuste das marés. Não sentiram a mansa e delicada respiração do rio que galgava as escadas até ao sótão. Esquecem-se dos instantes. Quando a areia carregava segredos de espuma que as vozes murmuravam à tardinha no açucarado esplendor do Sol. E as ondas rodopiavam num admirável passo de dança no apetite da pele. Nunca cuidaram das vozes que se ampliam na areia, na sorte dos búzios. Nenhum rio é igual no caminho para o mar.

01
Set10

Retorno

Paola

 

 No corpo carregam as sobras do Verão, na tentiva estéril de se encostarem a elas. Num socorro duradoiro. Beijos e afagos desorientados. Ocorrências controladas. Medidas na excelência do Sol. No ar, ondula um odor a hesitação e uma vontade desmedida de voltar para trás. Longe da exaltação do regresso, há um retorno forçado. Passos desgarrados. Um papel. Dez cêntimos. Mais nada.   Nestas circunstâncias acesas, enrodilho-me na justeza do meu rio. E vou… no remanso das marés.

 

 

01
Set10

VÉSPERA DA ÁGUA

Paola

 

 

 

Tudo lhe doía
de tanto que lhes queria:

a terra
e o seu muro de tristeza,

um rumor adolescente,
não de vespas
mas de tílias,

a respiração do trigo,

o fogo reunido na cintura,

um beijo aberto na sombra,

tudo lhe doía:

a frágil e doce e mansa
masculina água dos olhos,

o carmim entornado nos espelhos,

os lábios,
instrumentos da alegria,

de tanto que lhes queria:

os dulcíssimos melancólicos
magníficos animais amedrontados,

um verão difícil
em altos leitos de areia,

a haste delicada de um suspiro,

o comércio dos dedos em ruína,

a harpa inacabada
da ternura,

um pulso claramente pensativo,

lhe doía:

na véspera de ser homem,
na véspera de ser água,
o tempo ardido,

rouxinol estrangulado,

meu amor: amora branca,

o rio
inclinado
para as aves,

a nudez partilhada, os jogos matinais,
ou se preferem: nupciais,

o silêncio torrencial,

a reverência dos mastros,
no intervalo das espadas

uma criança corre
corre na colina

atrás do vento,

de tanto que lhes queria,
tudo tudo lhe doía.

 

Eugénio de Andrade

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Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. [Fernando Pessoa]

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