Não é tempo [das ginjas]
Uma sensação redonda e estranha agarra-me e leva-me até ao outro lado do dia. Até à interior da minha pele. Fico entre a luz e o verde. No frio que escorre lá fora. O tempo instala-se e trepa pelas paredes. As pernas sobem canseiras acumuladas nas folhas das árvores, enquanto os pardais se satisfazem na alegria das ginjas. No vale escorre o eco silencioso e perfumado dos frutos. Numa enorme maré de vermelho. Como se o sangue trepasse ao cimo da decisão onde a cura é a voz modelada que se repete no apetite das sílabas. E diz a palavra cereja com o mesmo prazer com que saboreia a doçura da minha pele. E lambe a voracidade do vendaval. Um vento desnorteado que as faz corar no apetite do beijo. O sol ergue-se no alto e cai serenamente no rio. Agora a noite é minha. Eu percebo que há um túnel no tempo. E um mapa que percorro com os dedos todas as manhãs.
[foto da internet]