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ponto de admiração

ponto de admiração

20
Ago13

gosto de ouvir música na rádio...

Paola

 

Gosto de ouvir rádio. Andar por lá, adormecer no bulício das vozes, enrolar-me na cadência da música e desadormecer ao colo da canção seguinte. E dou por mim a pensar naquela canção que ouvia sem me atrever a contar as vezes. Que não ousava contar a ninguém, com medo que me furtassem o instante. O tempo passou e agora não escuto as mesmas canções. Mergulho nas vozes, gosto das músicas e enrolo-me exatamente com a mesma desordem com que antes me embalava.

Passa uma canção que escutava com o volume incendiado… quase não a reconheço. Desejo que acabe… E dou por mim a pensar a razão do meu sentir. A canção permanece inalterável…

Não fui eu que mudei… mas é impossível ouvir a mesma canção sem lhe mudar o sabor. Como o beijo que trocámos à tardinha… Como a cor deste mar de ritmos cadenciados… Como o bater inquieto das nossas bocas que numa tarde se calaram com uma vontade doida de chorar.



16
Ago13

Chana é uma gata bonita. É guia de profissão

Paola

 

 

Num reino muito antigo, havia um castelo. No alto. Pela colina escorriam pedaços de histórias. Passados de homens destemidos que se perderam pelo mar. E partiram engalanados de vontades e segredos. Conta-se que o castelo era habitado por uma moira encantada. Jovem e de enorme beleza. Felinamente sedutora. Aparecia frequentemente pelo recinto do castelo. Cantando e penteando os seus reluzentes cabelos negros como os fiapos da noite com um pente de ouro. Nunca prometeu riquezas a quem a libertasse do encanto. Meiga. Tão doce. Apareceu junto ao rio e entrou no velho castelo de tesouros guardados em baús decorados com ferragens de tempo. Das diversas formas que podia assumir, optou por uma. E escolheu ser gata. Guardiã do local e dos visitantes. A população mais antiga declarou que a Chana nunca se separou do castelo. É lá que dormia a sesta. Todos os dias. Depois, espreguiçava enigmas e ensinava caminhos dentro das muralhas. Visitava as ruínas da antiga igreja matriz e as ruínas do palácio dos alcaides da vila. Espreitava as salinas e assegurava que a terra era uma flor de sal.

 

No castelo velho, a Chana é uma gata bonita. É guia de profissão. Consta que ali permanecerá eternamente, tecendo idas e vindas e miando maravilhosamente, encantando quem a ouve, qual donzela enfeitiçada.


13
Ago13

instante

Paola

 

 

 

Deixai-me limpo

O ar dos quartos

E liso

O branco das paredes

Deixai-me com as coisas

Fundadas no silêncio

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

 
 
 

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Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. [Fernando Pessoa]

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