pelos médicos
Ouvi na RFM...
Hoje é dia nacional do médico. Dia consagrado a uma profissão admirável. Num calendário já sem tempo para lembretes, surge mais este. Acho mal que haja necessidade de lhes dedicar um dia. É mau sinal! Não por eles, que os admiro. Antes pela nossa rica saúde.
Fico torturada. Não sou consumidora compulsiva de médicos. Desprezo medicamentos. Basta um mero analgésico colorido para me dominar. Abençoados, mas medonhos. Alguns provocam tomas incontroláveis. Abomino hospitais. As portas estão fechadas. As janelas não olham o mar. Mas o que eu odeio mesmo é estar doente. É tão enfadonho! Tão nostálgico. Deprimente. Humilhante, mesmo. Doença é privação. Doença é padecimento. É dor e dor dói. Logo é ruim.
Fico sem espírito. Mesmo que os achaques sejam na carne. Isto de perder a alma é mesmo uma grande maçada. É que a palavra espírito significa "respiração"! E quem é que consegue viver sem respirar? Eu não! Mesmo que esteja em causa o conjunto total das faculdades intelectuais. É o mesmo. Posso lá viver sem elas. Mesmo que acanhadas. São as minhas! E a minha alma é lusa. Acorda sempre de manhã. E comove-me. Às vezes chora.
Fico sensível. Os sentimentos atropelam-se. Agudizam-se. Revelam-se. Claro que isso me agasta. Desculpa, estou doente… Passo o tempo todo nisto. Assim, como se o estar doente fosse da minha responsabilidade. O que me salva é o facto de perceber que os outros não têm culpa. Presumivelmente também se acham doentes. Só que não dizem. Disfarçam as dores. Calam os gemidos. E isso também dói!
Fico preguiçosa. E lá vem a história do bicho. Um mamífero estupendo, contudo preguiçoso. Bicho-preguiça… convenhamos que é um epíteto a raiar o impropério. Tudo por causa do metabolismo muito lento que lhe peia os movimentos. E qual é a sua responsabilidade na coisa? Nenhuma! Mas da fama ninguém o livra. Isso é certo. Deve ser por ciúme. É que o animal vive na copa de árvores de florestas tropicais e não vai ao médico queixar-se de stress, nem de “bullying”, nem de depressões no final de cada período lectivo. Porque nas árvores não há escolas públicas tremidas por tornados assimétricos e insanos e obsessivos. E têm sempre os genéricos! As árvores têm remédio para tudo. Natural e gratuitamente. Sem prescrições e instruções registadas em decretos-lei. São preguiçosos, mas felizes. Magnífica vida. Dormem catorze horas por dia. Não têm médico de família, bem-feita. Morrem e pronto. Nós também.
Fico doente. Uma dor aqui, outra acolá. Uma gripe. O pior mesmo é quando chegam as “ias” e os “omas”. São agressões à nossa própria natureza. Ocasionam graves distúrbios no nosso mundo interior. Afastam-nos de uma existência ajustada à realidade. Roem-nos o corpo e o espírito. Minam-nos as vontades. Desgastam-nos os sonhos. Complicam o futuro. Apagam as esperanças. Não gosto da bata. Sabe a escola, mas tolero o estetoscópio.
Fico transtornada. Estar doente não dá jeito nenhum. Qual é o artigo que escrevo para testemunhar a minha enfermidade? Telefono antes ou depois? Vou ou não vou? Sou capaz ou não sou? Volto ou não volto? Vou acabar na Biblioteca ou não vou? Chega! Isto de alimentar o corpo e a alma em simultâneo sai caro.
E querem que eu vá ao médico? Vou fazer como a Preguiça. Morro e pronto.
Nota - Antes do meu funeral, deixo aqui o meu agradecimento aos médicos que já me cuidaram. E aos que sorriram para mim. Mesmo quando o fim estava ali. Eu gosto deles, não vou é visitá-los.
(Fotografia da Internet)