sadina
Setúbal é a minha cidade
Setúbal morfologicamente falando é um nome. Próprio. De pesca e de rio. De porto e de praias. Também de gaivotas. Feminino. Género serrano. Número sadino. Não se interessa por regras gramaticais que lhe subtraem a sua grandeza. Setúbal é um topónimo inscrito no mapa que nos delimita as fronteiras. Um mapa que nos tolhe os movimentos. Um mapa que nos diz onde começamos e acabamos. Eu comecei ali. Acabarei por aqui.
Um mapa que não que nos confina a língua que é do tamanho do mundo. Apesar da sardinha soar com dois rês… Palavras ditas nos versos de Bocage. Música cantada na voz de Luísa Todi. Uma serra amada e cantada por Sebastião da Gama. Poemas frescos e amenos, com rimas embrulhadas na areia da praia. Com os versos mesclados com a vegetação mediterrânica da Serra.
Setúbal é uma cidade. Enleia-se no rio e faz amor com ele. De madrugada. Ele beija-lhe os pés e diz que a ama. E o mundo pinta-se de azul. Ouvem-se êxtases aniladas. E há a serra. O verde exalta outra paixão antiga. Feitiço, evidentemente. Poligamia, também. E depois, se é permitida pela religião que praticam? É crime o amor, a harmonia? E a poesia, a cumplicidade? Os três numa orgia de sentidos, de cores e de emoções. De tantas surpresas. Um amor selvagem de corpos nus.
Nasci ali. No Convento de Jesus. E tenho saudade, mas não sei de quê. Uma nostalgia fragmentada por reminiscências difusas. Sumidas em tempos e espaços que não voltarei a ter. Que deixei. Perco-me em divagações e oiço claramente a concertina do meu avô.
E tenho saudades da escola que nunca mais vi...
O Sol já se escondeu...
Precisamente quando,
feliz,
eu desatei a cantar.
(Só por feliz eu cantei.)
Agora quero acabar,
que já me dói a garganta,
mas vou ainda cantando,
temendo
dar por mim de novo triste
assim que esteja calado.
(...Como se a minha Alegria
nascesse de eu ter cantado.)
Sebastião da Gama, Serra-mãe, 2ªEd. (1957)
Fotografia de Olhares