bebericar
Portugal é, por tradição, um país de brandos costumes. Também por tradição, é uma terra que gosta de beber o seu copito. Nem sempre à refeição. Mas com objectivos. Sorve desgostos de amor. Ensopa tremoços e caracóis. Suga amores pela palhinha. Bebe para afogar os prantos que sopram forte. Engole as alegrias que chegam tarde. E pequeninas. Toma um copo com os amigos. Sorve o espanto de ser pai pela primeira vez e aperta nos braços a garrafa com quem passará o ano. Um gole de traição. Na flûte, um admirável gaulês. Da terra de Dom Pérignon. Que tem mais borbulhas. Uma noite sem exemplo. Depois volta ao copo de vidro e bebe o que a lusa terra lhe dá.
Hoje, a minha admiração tem desatinos. Porque não compreendo o gesto. A decisão. O intento. A motivação. Só se por uma ignorante infantilidade a querer ser gente grande. Ou por razão nenhuma, o que não é bom. Porque sim, tão-somente? Diz a notícia que os jovens espanhóis bebem muito. Dos portugueses não fala. Uma espécie de bebedeira colectiva. Uma orgia nocturna de garrafas no areal. E bebem. Bebem. A noite toda. Depois, já despidos de razoabilidade humana, gritam muito. E partem coisas. Dizem estupidezes. E bebem mais. Fazem burrices. Estão bêbados, não sabem. Chega a polícia que vem minorar os danos. Os desacatos persistem. E a rapaziada jura que não está a fazer nada de mal. Que é tudo normal. Que se divertem somente. E têm o descaramento de apresentar queixa porque em Espanha não os deixam beber assim. E adormecem tranquilamente. Quando acordam vão a correr comprar mais. Para escaldar a noite.
Acabadas as férias, levam o quê? As fotografias estão desfocadas e manchadas pelo álcool. Os corpos estão sempre a dormir. Não reconhecem rostos. Dos locais mal se lembram. Estavam estonteados. Na pele arrastam a cor das bebidas brancas. E a espuma não é a do mar. Não sabem do sabor do mar, nem do Sol. Mas vão lembrar-se que beberam muito. No areal. Do resto, não têm a certeza. Passaram por Portugal. Regressam com a bagagem despojada de férias. Porque estavam perturbados. E porque estavam completamente atarantados amaram na areia. Com raparigas também completamente aparvalhadas. Não acautelaram doenças sexualmente transmissíveis. Nem barrigas prenhes no areal. Fizeram sexo porque o afecto não fazia falta. O amor inebria-se a si próprio. Não necessita de álcool. E os jovens, porque são jovens, não precisam de se divertir assim.
E é com notícias destas que o alerta das campanhas se torna mentira. Admiro-me com radicalismos e proibições. No entanto, admiro-me muito mais com a abundância de informação que os jovens rejeitam e ignoram. E regressam a casa com a certeza que beberam muito. Tanto que não se lembram de mais nada. Portugal espanta-se com a notícia. Portugal é um país tolerante. Portugal não vê a publicidade que anda aí. Praia, cerveja, mulheres, sol, cerveja, jovens, corpos, futebol, cerveja, o sabor autêntico da praia. E eu pensava que a praia sabia a praia. E que o cheiro era do mar...