nascer
Sempre tive para mim que nascer é um verbo admirável. Só nascer. Às vezes renascer. Mas poucas, porque não acredito nessas coisas. Entre o nascer e o morrer está a vida. Que é um percurso. Curto, sempre. Quando longo é insuficiente, porque a morte chega sempre adiantada.
Nasce o Sol. Nasci eu. Nascem as papoilas no campo. E na pernada do sobreiro há um ninho. Estou a ouvir os passarinhos. Nascem palavras das discussões. E são demais. Dizem o que querem. Arrependem-se depois. E nascem romances grandiosos. E poemas. Por vezes, nascem amizades sublimes. Para a vida. Também na morte. E de estremecimentos transpirados. De indecisões contidas nascem viçosas cartas de afectos declarados. Quem sabe se também nasce o amor. E dos casulos nascem as borboletas. Bichos-da-seda que só pensam em comer e comer. Nas amoreiras as folhas nascem verdes e as amoras negras. E da rota da seda nascem histórias e lendas. Verdades e mentiras. E riquezas. E se tudo acontece deste modo, está bem assim. Certo é, certo está. Nascem desejos no corpo e arrependimentos nas mãos. Na boca nascem palavras de emoção. No canteiro do jardim, nascem rosas amarelas. E alfazemas disfarçadas de alecrim. Um ribeirinho nasceu ali. Tão pequenino. E corre, corre, corre. E já muito extenuado enlaçou-se no rio e, os dois, correram até lá chegar. E, deste modo, nasceu o mar.
Nascem homens e mulheres. Nasce a esperança. E há muitos anos nasceu o Menino Jesus. Fez-se homem. E nasceu a crença. E nasceram atritos. E injustiças e guerras. Eu nasci tranquilamente no convento. Que nasceu hospital. Numa terra que nasceu azul. Por causa do rio que se despejou no mar. Depois saí. E nasci assim.
A natalidade é desgosto tremendo. As aves perdem as árvores. Queimadas. Coibidas no jardim. As flores não olham para os montes e vales. A paisagem é urbana. Naturalmente! E os meninos e meninas não têm espaço para aparecer. E o país lamenta o que tem. Que em vez de nascer, envelhecem e morrem a seguir.
E fiquei a saber o verdadeiro drama da carência. Disse na televisão que é fonte credível. Com imagem e som. A cores. Garantia a senhora que isto agora é uma maçada. Que já não se fazem meninos como antigamente. Que as consequências são avassaladoras, acrescentava. Muito versada no assunto. É que sem meninos, os jogadores de futebol acabam.
E percebi que o meu clube não pode fazer milgares. E é forçado a procurar jogadores no lado de lá. E acolá. E viva la Espanha! A senhora fez a sua parte? Eu fiz a minha. Dois rapazes. Apenas errei nos nomes. Ninguém nasce perfeito!
Fotografia de João Palmela