matar
não é preciso
Mato moscas. As que penetram sem autorização. E mato mosquitos. Todinhos, que são bicho ruim. E mato a sede. Sempre que posso. Normalmente com água que é coisa boa. Mesmo que a inodora, insípida e incolor seja uma miragem. Mas gosto tanto das garrafinhas com tampas multicores. Comprei-as por reconhecer que até ficam bem no frigorífico. Amarelas e com formas. E falam comigo. Dizem… É segredo. Não explico, não vá alguém querer também. E mato os aranhiços. Só que fico cheia de hesitações. Mato? Não mato? Mato! Mas dizem que é dinheiro… E tanta falta que ele me faz. Em vez do pobre aranhão, devia era matar o bicho. O outro. O da manhã. Não tenho tempo!! O tempo? Todos os dias. E por mim matava-o todo. Talvez assim vivesse mais uns dias. Só que o danado não deixa. E foge. Voa. Não que se enlate em fluidos que facultam asas. Pelo que sei, nem bebe. Ou bebe? Se calhar eu é que não sei. E enfia-se nos relógios que tenho. É por estas, e por outras evidentemente, que deixei de dar corda ao relógio da sala. Calculo que o matei. Paciência! Não era vida para mim. Sempre a badalar. Porque era hora. Por fim metade só. Azucrinava-me os ouvidos com o quarto dela. Agora que o calei, sinto saudade. Pobrezinho! Aquilo não se faz. Só o matei, nada mais. E mato a fome, com certeza. E quem não mata? Antes ela do que eu. Todos os dias. Não tenho é tempo. Devo dar corda ao relógio? Não dou! Não preciso dele para comer. Já me basta a barriga a dar horas. Ufa! Matar, matar… Só mato a saudade. Desato acorrer e vou lá. Pronto! Já está. O pior mesmo é os que já morreram . Lembro-me deles. Afago-os com minha memória e peço-lhes que não esperem por mim. Às vezes choro. Outras mato-me a chorar. E lá vou eu trabalhar. Outra morte certa. Há quem se mate a actuar. Eu só fico moribunda. Que sensata que eu sou! Mentira! Há dias que morro, só que ressuscito. Ele não ressuscitou? Então eu também posso. Atenção, que também já morri de amor. Mas isso foi muito bom. Agora só gosto. Muito! Deles. E é admirável. E mato-me a rir. Só quando a deliberação esguicha cá de dentro. De fora não dá. Choro e tudo. Atitude sem sentido, aquilo nem é um funeral. Juro que não estrangulei o casamento. Ele é que morreu. Estava lá e vi. Outro dia, torturei não sei quantos, pedaços de mim. Irritei-me. Guerra de eus. Empertigados e ruins. Todos com opinião. A querer decisão. Já chega o outro, que se desdisse em pessoa. Ele foi capaz. Matar o desgraçado do vício é premente. Só que há uns que não mato. Nem que morra por causa deles. Outros, deixo-os definhar. Não me importo. Nunca matei uma galinha. Coitadinha, degoladinha! E mais não matei. Ou já me esqueci? Ou não quero dizer? Não me lembro.
Com tanta coisa para matar, há que esganar o cão do vizinho? Ou o vizinho. Ou a vida. Não concordo! Não! Mas não é por isso que me vou matar. Pode-se sempre dar cabo do stress. É palavra estranha e não deita pinga de sangue!