11
Nov08
mascarar
Paola
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(…)
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Álvaro de Campos, Tabacaria
A máscara põe-se e tira-se. Um adorno na cara de muitos. Um disfarce no rosto de tantos. Rituais assumidos, dissimulados e maliciosamente astutos. À noite, limpam-se impurezas e excessos de untuosidade vergonhosas. A pele descansa, renova energia. Acorda de manhã disfarçada de alegria. E sai para a rua decidida a camuflar as linhas de expressão adquiridas de véspera, sem perceber o embuste.
A máscara é beleza, o rosto é que não. A caraça é criação fantástica. O semblante demora-se em manifestações diabólicas. Gravita em torno de mistérios obscuros, grotescos e sinistros. Isenta de culpa, a máscara cumpre a sua missão. O rosto é que não! Porque acessório na cara da gente. Aqui, não cumpre a obrigação. A máscara deixa de ser um genuíno adereço e adquire um carácter enganoso. A máscara esconde a identidade. Metamorfoseia a cara de quem a põe. E os heróis transformam-se naquilo que não são. Os desnaturados no que são. E nada sobra da verdade. Assumem-se actores de comédias gregas. Rostos mascarados com cara de virtude. Vícios, alegrias, usuras e tristezas disfarçadas. Papéis que sobraram. Que galgaram o tempo. E tremeluzem nos recreios sociais.
A mascara disfarça-se. Mostra-se e revela. Galhofa na participação em rituais. Atemoriza e magoa na transfiguração. Amedronta na representação de seres maravilhosos. Invoca os deuses ao mesmo tempo que os animais. E dança e dança em movimentos infernais. A máscara é tudo e nada e raiva e dor. É fundamentalista. É estética. Monstruosidades e beldades. É sim e não. Sobressalto e distracção. É múmia e carnaval. Proibição e alarido. Hipocrisia e falsidade. E sorri com as lágrimas da outra. Mentirosas, evidentemente. Polaridade bicéfala. Disfarce convocado. Inconvenientes repetidos de depressão e mania. Dualismo danado.
Abarrotada de ilegalidades, a máscara esmorece interdita. Repentinamente renasce mascarada de medo. Grita pela privacidade. Quer ver e não ser vista. Ouve sem ser reconhecida. Refugia-se no anonimato, porque não tem coragem. Sucumbe ao desgosto. Não pode mostrar. Não quer dizer porque a obrigam a calar. Uma espécie de calvário. De percurso para a cruz. A máscara chora pela outra que se ri. Pranteiam as duas. Riem as duas, porque se perturbam com a disparidade entre o que são e o que deviam ser. Desfigurado rosto que não vê o rosto que eu mostro! Com a nobreza do ver. Do poder olhar e explicar.
E eu acredito que chegará o momento em que as máscaras cairão. Cedo ou tarde, os rostos serão mostrados. A verdade também. Resta saber de quem será a iniciativa. Se da máscara, se do rosto.