19
Dez08
enevoar
Paola
da Internet
O dia está sonolento e acordou rabugento. E o Sol embrulha-se no nevoeiro, que não está para aturar caprichos cinzentos. Aqui e ali ouvem-se as horas a acordar e os minutos a combinar adiantar os segundos. Acicata, tu! Eu? Ora essa! Ignorante, cuida da ortografia. E a porfia começou. Parece que é assim que o tempo se consome. Que percebes tu de homofonia?
Num dia de névoa pardacenta, tenho sempre a sensação de ter entrado numa igreja. Uma catedral… uma nave feita centralidade. Sobram ecos de restos de frases suspiradas. Ecoam orações de frio e, por todo o lado, há círios a inflamar-se. Ininterruptamente a extinguir-se. Uma catedral tem muito a dizer e para a ouvir é necessário calar. E olhar a abóbada de bruma que sonega muito do que se vê. E do que não se vê, evidentemente. Que tempo este! E tudo recomeça. Cala-te, ponteiro. E posso algemar o tempo? Posso? Ele não vai gostar. Imbecil! Deve ser por tanto girar… E o ponteiro dos segundos persistia do seu andar. Irritava-se o outro que não tinha pernas para o acompanhar. O mais velho perecia placidamente no seu navegar, com a certeza que seria sempre igual. Empurra-o! E anuíram na estratégia. Juntos teriam força para o expulsar. Podemos tentar. Ora, ora… ele é dono das horas. Outra vez! Bem sabes como este jogo sujo me irrita. Que vício! Com ou sem agá? E eu sei lá… não entendo nada de gramática! Insensato! A disciplina é imprescindível ao teu adiantamento intelectual. Deixa-me falar!!! Calaram-se de repente. Escutaram o tempo a ressonar.
Há multidões na rua à hora de laborar! Outra vez o agá? Ah! Já percebi. Estava a ver que não… Indiferentes ao tempo, por causa da névoa. Tantas vozes com embrulhos dourados. De um lado para o outro, sempre a cirandar que o tempo é de comprar. Tanta gente a circular que o tempo é de enganar. Tantas pernas por conta própria que o tempo é de sonhar.
E eu pus-me a inventar… são reformados, enfim. Desempregados também. Alunos no intervalo, pois são. Domésticas com hábitos abraçados. Empregados na pausa da precariedade laboral. Alguns emigrantes que chegaram de longe. Todos com muito tempo e sem vontade de o embrulhar. Os mais abundantes são idosos que eu vi.
E eu continuei a imaginar… é assim o meu país. Pobre, velho, desempregado, aposentado. Desorientado no nevoeiro não descobre el-rei D. Sebastião. Coitado, a fazer-se abastado!