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ponto de admiração

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07
Jan09

apagar

Paola

Os deuses, de vez em quando, endoidecem também. Tenho para mim que tal facto se deve a contaminação humana. E por imitação, lá andam os senhores do Olimpo de cabeça perdida. Excessivamente engripados, mas resumidamente agasalhados. Cronos bem se queixa das horas gastas nas urgências dos hospitais. Mercúrio afiança que não está para aquelas peregrinações. E incita o amigo a enviar uma mensagem. Então, telefona, vá! Grita-lhe o número que sabia de cor por tanto o repetir, apesar da voz lhe começar a falhar. Queixa-se de Éolo que bem podia parar de bailar. Atchi…m!! Que ignomínia, acudia Neptuno. Um deus a espirrar! E entre privações de oxigénio, lá apostrofou que ele proferia tais opiniões porque se acondicionara no fundo do mar. Que vivia à grande e à francesa num palácio que diziam ser de cristal. Invejosos, vociferava agarrado ao tridente. Foi para isso que trabalhei. Eis se não quando, Baco entra na história para questionar o recurso a tanto medicamento. E defendeu o uso genérico de mesinhas caseiras. Acrescentou que um copito de aguardente com mel nem fazia mal a ninguém. Estouvado, toma juízo. Inspirador de excessos de êxtase e violência, porta-te bem. E Diana, segura na sua castidade, aconselhou calma. Pediu a Minerva que a todos protegesse. Aos médicos também. E a algazarra já era tanta que o segurança os impediu de continuar ali. Se estavam doentes, ficassem em casa por causa do frio. Mas eles continuaram a espirrar. Sem perceber quem tinha dado poder ao homem para mandar assim. Até chegaram a desejar que Vulcano não tardasse para a quezília aquecer. Vénus veio também. Muito deprimida e com muita tosse. Magnífica, apesar da gripe que a flagelava. E tanto que o marido a avisou. A sua Vénus de cabelos áureos e fragrantes andava nua pela casa, convencida que emergira do mar sobre uma concha a cada degrau que subia. A mulher era fogo! E o marido era tão horrendo que de Marte fez o seu grande amor. Constava que Camões sabia do caso. Não foi em vão que a ostentou como a grande defensora dos portugueses. Epopeias andadas no centro de saúde aberto no feriado. Tudo devido ao surto de gripe, anunciado pela Lusa. Que loucura, amiga, murmurava com voz melada. Proserpina nem sabia o que dizer. Vítima de rapto e violação, considerava a gripe coisa sem valoração. Vivia no inferno, a infeliz. Uma vez por ano, visitava a família. Menos mal, se fosse pelo Natal. Só que Plutão não autorizava. Domiciliada nas trevas, ansiava a luz. Queixava-se do constante apagão e perguntava ao marido se tinha pago a conta da EDP. E chorava às escuras. Telefonava às escuras. Porém, o pior advinha do facto da bateria do portátil não suportar a ligação à Internet. E inquiria irritada se Olimpo sofria os efeitos da ignorância da luz. Plutão, já muito arreliado, levantou-se e incendiou duas velas vermelhas. Ela permaneceu sentada, enquanto a luz bruxuleava, mas não alumiava. Os deuses deve estar loucos, matutava. Todos! Gregos, romanos, humanos...

Eu acendi duas velinhas, enquanto o apagão me tolhia na mais profunda escuridão.

 

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Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. [Fernando Pessoa]

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