Sei de um saquinho. Linhas combinadas em movimentos ritmados e decididos. Calmos à tarde. Ao serão é que não. Novelos de sonhos que se desenlaçavam sorrindo. Enredos de artista desenhados por uma agulha adequada. E naquele dedilhar forjavam-se paisagens abertas. Futuras e presentes. Passados perfeitos e imperfeitos num templo de profetas. Condicionais muito hipotéticos. E tantos conjuntivos acarinhados! Sei de um saquinho de renda branca que antes de ser saco era apenas novelos de linha número doze. Agora geme na trama que é.Hoje, quando digo saco, vejo uma paisagem que se amplia sem começo, nem fim. Sobre um fundo branco, avisto uma multidão compacta de palavras. Amontoam-se numa ordem esbanjada, hesitando entre a subordinação a regras impostas e o bulício que contêm. Quase todas me são estranhas. Às minhas, estendo a mão. Abraço-as com gratidão e elas emaranham-se em mim.
Sei de um saquinho de renda branca tecida com dedos de deusaem laços de seda. Apinhado de amálgamas ponteadas de carinho. Com aglutinações de ternura e justaposições de amor-perfeito. Sem abreviaturas apertadas de nomes que a língua tem. Juncado por vocábulos animados numa parassíntese celestial. Antes e depois, infelizmente.E de todas as palavras primitivasque o saco encerra, são as mãos que teceram o saquinho de renda branca que eu peço. Mas eu sou acréscimo simultâneo de prefixos e sufixos. Sou recorte na união de dois radicais. Sou composição justaposta no guarda-chuva que na segunda-feira me abrigou da perturbação. Sou sigla num saco que desmaia nas letras que pronuncia. Sou acrónimo atormentado por arcaísmos determinados.
Sei de um saquinho de renda branca que se fecha sempre que uma justaposição de ideias imagina fugir. Arroz-doce… arroz-doce… arroz-doce… na mais perfeita composição. Com a mais primitiva canela.Sei de um saquinho de renda branca que esconde paisagensda floresta dos medos.
Olá minha amiga, Li com com muita atenção este texto, e o que se me oferece dizer é que além de muito bem escrito tem um sentido muito importante aquele saquinho... Bonito - Os meus parabéns! Cumprimentos e bom fim de semana, CAB
É, de facto, um saquinho especial. A minha mãe passava os serões a "crochetar"... E esse saquinho, que guardo, está cheio de memórias e afectos. Tu percebes... São essas recordações que ficam, que perduram e nos alimentam...
Agora fiquei na duvida.... é legitimo utilizarmos o tramado quando estamos a querer dizer lixados?.... ...
Senhora professora, pode-me tirar esta duvida? o Tramar de entramar e o tramar de lixar... são iguais e diferentes? ou só a trama da linha é que é válida?
É tudo uma questão de registo de língua... pode sempre tramar quem bem entender. A verdade é tudo por analogia com a trama de fios e linhas que dão pontos e nós bem complicados... entre numa e veja se não fica tramado... A nossa língua é tão altruísta, não é? Beijinhos
Pela verdade... Não andei a "cerzir", não senhora. Nunca fui dada a costuras... Croché, minha linda, croché que ela fazia como ninguém, com agulha de barbela...
Adoro arroz doce..e ao ler as tuas palavras..fiquei com imenso desejo de arroz doce..estou a ver que ainda tenho de ir para cozinha e colocar as mãos nas panelas:) jinhos
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]