jardinar [na saudade do carinho dela]
O jardim da minha mãe sabe a abraços. Caules enlaçados pelos dedos floridos da sua perseverança. Cheira a terra regada com o zelo matutino que a arranca da cama. Bem cedo, não vá o calor chegar. Teimosa, a minha mãe! Jura a pés juntos que as flores, que rega pela calada do Sol, falam. Que conversam muito. Tanto. Às vezes, dissertam sobre a problemática dos jardins suspensos na saudade. Os brincos-de-princesa aprumam-se nas orelhas do carinho. E escutam a voz quente dos pés enfiados nas chinelas de transbordar afagos madrugadores. Antes do Sol. Garantem as sardinheiras, que abundam em latas desalojadas, no entusiasmo do vermelho. No viço da singeleza de serem. Indeferem a fidalguia que desconhecem. Erguem-se na beleza de florirem à janela.
O jardim da minha mãe sabe a beijos nocturnos. Esvaídos em cuidados orgulhosos. Verde. Da cor dos fetos que correm a passos largos pela beira do canal. Resplendoroso. Da cor da presença puxada pela manhã. Eternamente na ilusão do verde.
A minha mãe não tem um jardim. Se tivesse, saberia à cor com que ela se pintou até desbotar. Ela não chegou a saber que o feto morreu. À janela…