esvaziar [no fortuito das notícias vazias]
O roxo alastra-se pela alegria do vinho. Num copo descansado no alabastro do desconforto. O jornal cai pelo chão, enrugado pelo fortuito das notícias vazias. Nuas e rugosas. O vinho revela-se equilibrado. Tinto ou branco. Não te importa a cor. São os teus olhos que perco na contemplação do tempo que escorrega pela ladeira de sardinheiras vermelhas. A rolha salta. Uma atrás da outra. O copo rompe-se boquiaberto com os exageros dos postigos. As velhas benzem-se e falam rezas junto aos retratos pendurados nas sombras que pingam pelas paredes brancas da privação. Comem a solidão com bocados de comprimidos sem reputação. A cor geme a ausência da luz. E as memórias de silhuetas incertas definem-se no luto dos vinhos.
E tu seguras com o olhar as descalçadas paredes do quarto. Sentes a ausência das lágrimas que te imunizam o rosto e acreditas que os gemidos moribundos da tua pele saram num copo de uvas tintas. Ou brancas. Não te interessa a cor. Preto. Às vezes, começas a pensar. Hoje, pensaste pouco. Não tiveste tempo para meditar. Agonizas na embriaguez que seguras à mesa. Sozinha. Ergues o copo e garantes que, sempre que podes, usas o tempo como queres. Mesmo que na lucidez da violácea linguagem vislumbres a bebedeira do relógio. Que se bamboleia na parede em frente. Por cima de ti.
[imagem da internet]