Anoitecer [… e a luz apagou-se repentinamente]
de Clara Susana
A noite chega morna. Olhos negros atrapalhados. Cabelos soltos. Adornos de prata na negrura com que se ilumina. Os braços carregam os festejos do dia. Não há sinais de cansaço. Cumpre-se no rosto do rasto do tempo.
Pela parede branca. Suja. Tão rota de riquezas. Escorregam réstias de luz. Pobreza aborrecida na divergência do chão. Uma janela. Opaca. A luz! Sento-me a olhar. Descanso o corpo. Canso a ilusão de saber. E quero. Duvido. Sim. Não me entendo. Nunca mais. A luz escorre pela parede. E a janela não mostra. Fico na desimportância do que não vejo. A noite corre. Uma mesa. Uma sopa quente fumega tranquilamente. Pão, talvez queijo. Um copo dança na arritmia dos corpos. Aquece a luz. Faz frio. O vento. Não, não vai chover. Há noites em que não chove. Gargalhadas impostoras. Estão cansados. Despidos. Afectos que cumprem rituais. Horas. E o tempo agarra a noite. Jura-lhe que o dia será a seguir. Assim. Na sismicidade do hábito. Um cigarro. Ainda não. Os corpos esgrimem cansaços. O dia foi grande. Calor. Este calor serôdio. Encardido. Enfeitado.
A luz permanece na parede. Pobre. De vez em quando, esgares amarelados. Claridade vazia. A janela espreita pela impenetrabilidade de vidro. Tudo acontece. Não sei. A luz agonia no branco-sujo das paredes. Lá dentro, a luz apagou-se repentinamente. Está frio cá fora. Enorme é o medronhal cujo aroma já esqueci. Onde os piscos não podem voar. Grande é a noite em que penso que não penso… encadeada na opacidade da luz.