correr [no serenar do rio]
fotografia de Jorge Soares
Lá em baixo, o rio corre na frustração de um cuidado. Um afecto pilhado nas margens desbainhadas. Mutilado. Desapertado num gesto que exige quatro braços. De tantos que ele tem. Não tem. Todos correm na esquina do vulto. Envolto nas luzes mortiças da cidade, o rio acontece. Num passo lento. No silêncio da noite que começa a ficar. Tão quieto na ira insurreição das águas. Tão longe daqui. Vai na inclinação de mim. Rente às claridades macilentas do lugar.
Há peixes no rio. Eu sei-os de cor sem lhes saber o nome. São peixes. Os pescadores estão a dormir. Porventura. Cansados de fainas inglórias. E que querias que houvesse no rio? A água está parada. Há sombras empoladas na minha pele. É tão tarde, já. E eu não sei o nome dos peixes. Nem dos pescadores. Uma ponte. Mais longe ainda. Brilha mais que o rio. No profissionalismo da sua competência, abraça as margens. Adama-se num beijo aguado. Os carros vão apressados. Não contemplam o rio. Esquecem as margens na fome da chegada. Apenas vão. E vêm. Na partilha de camadas de carregos.