Gosto deste mundo colorido e vivo. Da expressividade das ervas e das flores. Do jardim talhado e geométrico. Do abandono acautelado das árvores. Do rio que serpenteia agressivo por vales e montes. Da doce pacatez das águas aprisionadas. Do fingimento do mar. Gosto do direito e do avesso. Assim, sem ter que escolher entre isto ou aquilo.
Do contentamento do verde. Da luxúria esverdeada em redor. Do pássaro pipilante na quietude da folhagem.
Gosto do verão com horas suspensas. E de saber que amanhã aparecerá um novo rebento em cada semente desabotoada. Um princípio novo. Brilhos da natureza no esplendor do amanhecer. De um sol brilhante. Porque gosto da simplicidade verde da natureza. Sempre que os meus olhos se perdem na embriagada harmonia que se satisfaz do chão.
Por vezes, tantas são as vezes, apetece-me ir para trás. Não que queira, não que corra. Somente deslizo. É o tempo que suplica um beijo à tardinha. O vento que impõe a frescura do abraço. E eu não vejo a simplicidade do caminho. É o mel que escorre pela areia. São os corpos encharcados de azul. São as algas que se enredam na rima das marés. Somos nós. Que nos poupamos no excesso das dunas. É a areia que se desfaz. É o sol que acende as nossas tréguas. E eu não antecipo a outra margem. É o meu tempo que cai desamparado nas sombras do carreiro. É o teu sorriso molhado que escorrega pela serra.
Às vezes, o rio concede-me as tuas mãos. Tantos acenos. Mais abraços. Mil afetos. E as gotas salgadas sorriem na aflição dos gritos dos pinheiros.
Depois, agarro o céu. Destapo o dia. E fica a distância que há entre mim e os restos dos botes que morrem na praia. As nuvens içam as cores rasgadas que sobram da tarde e a margem do meu olhar. E tu dizes que tens procurado.
Há momentos em que perco o olhar. E não faço nada. Apenas o rio faz o que pode.
Admiráveis, os sonhos. Sonhar é bom. Enche a cabeça de memórias e de vontades. Desejos que ficam no papel. Que dão volta ao mundo. E o Sol ilumina-os. Desvendam-nos por terras e mares. Entre o possível e o impossível, nasce o entusiasmo. E concluimos que somos capazes de fazer um desenho... E a vida é melhor. É que, às vezes, quando sonhamos muito as coisas acontecem... e somos crianças no baloiço a baloiçar. E temos o colo da mãe para dormitar. E do pai para embalar. Depois, chega a preguiça, pegamos nas asas e voamos. E voltamos sempre ali.
E voltei como sempre. E comi arroz-doce com canela e conversei muito. Agosto está de férias. Mas, mesmo num dia soalheiro e espirituoso sabe sempre bem misturar conversas. Assim, há tempo para todas. E isto e aquilo. E mais o outro e a outra. Hoje e ontem. Agrados e desagrados. E gargalhadas de chorar a rir. Sempre!
Porque a temperatura sobe. Os corpos exibem-se sem preconceitos. Menos roupa. Mais transparências. Muitos pezitos descalços. A praia é um destino. A música sempre. Au soleil. Mon eldorado. Et la vie c'est comme ça... Bon week-end!
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]