... só oSapome faria tornar aqui neste descansado mês de Agosto... Obrigada, amigos, pelodestaque. Que escaldão de alegria! Partilho-ocom quem tem passado por este ponto...Um agradecimento especial para oJoão Palmela.
Mesmo que o preto não seja uma cor. Mesmo que carregue cicatrizes imperecíveis. Mesmo que faça na minha noite desenhos a carvão, eu quero-o.
Por isso, desfechei todas as janelas. Quebrei os ferrolhos, rasguei os cortinados, estilhacei os vidros martelados de aflições… E de tanto as escancarar, a minha casa já só tinha janelas…
E da janela, que é a minha casa, o preto foi a cor que lá estava. Esplendorosa na delicadeza das estrelas. Feminina no rendilhado das feições … Contornos soberbos… Com grandes curvas, bem definidas e numa bênção celestial, descobriu os seios tão definidos… agora nus de uma folgada blusa preta com florinhas deslumbrantes.
E pela janela, que é a minha casa, eu vi aquele negrume tão belo… e num gesto irreflectido entreguei-me na condição da inteira ausência da dor… na certeza que o preto é tão-somente uma cor. Ali, naquele mesmo instante, na alegria da noite, o preto tornou-se numa das cores mais claras que já vi...
Uma língua lambe-se com palavras. Dádivas que dizem o que se fala. Delimitam-se em fronteiras gastronómicas. Encantam-se nas cantigas de embalar. Nas lengalengas. Adormecem com histórias de encantar. Completam-se nas interjeições sentimentais. E cumprem-se na diversidade de aromas e sabores. Riem-se com onomatopeias brincalhonas. E jogam às escondidas com sinónimos e antónimos. Apaixonam-se e dão risinhos estridentes. E o determinante muito definido, masculino e único. Corpóreo e puro diz-se desvairadamente perdido de amores. Elevado com o nome. Também ele masculino. Por causa da concordância. Moreno. De olhos negros. Vivos e brilhantes. O artigo cansa-se com o assédio. Irra! É demais. Esperneia quando o nome é próprio e o amor singular. Mas diz-lhe que sim. Porém resiste. Enleiam-se num jogo de sedução cúmplice. O determinante persegue o nome. E este esconde-se para ressurgir risonho. Depois é o nome. Oculta-se também. E gargalham brincadeiras de rir e de chorar. Na rua passeiam a vaidade. Com atributos de todas as cores e paladares. No masculino. Singular. Trocam beijos e afectos em público. Abraços e mimos. A inocência da idade não lhes impõe bulícios desarvorados. Apenas sorrisos. E conivências no olhar. Oferecem-se na sedução do romance e do extraordinário. E publicam palavras atulhadas de afectos. Tantas. Todavia, preferem as que se iniciam por i. Imagem. Intuição. Importante. Imenso. Instinto. Iluminação. Infância. Identidade. Ir. Ir em frente. Inicial de inicialmente. Isaac de nome. Próprio. Alegria, felicidade e também filho de promessas. De juras de amor. A gravidade explica os movimentos dos planetas, mas não pode explicar quem colocou os planetas em movimento. Nem este novo e admirável astro. E as palavras que eu sei não chegam para dizer o I.
Nestes últimos tempos tenho-me sentido uma árvore que chora. Um tronco afogado em desencantos. Folhas que escorrem lágrimas ensanguentadas. Ramos contorcidos pela dor. Raízes que vivenciam angústias e tristezas. Uma árvore que agita descontentamento e desconforto. Às vezes disfarça. As ramificações abafam prantos e lágrimas que caiem quando o vento sopra mais forte. É ela a descarregar a mal-estar das emoções e dos reflexos interiores.
Queixumes contidos para que não constem como indecências públicas. Particularmente, para não ultrajar os sorrisos. As gargalhadas. Para evitar meneios estúpidos e rebolados. Compressões convulsivas com lágrimas e mucosidades dispensáveis. E são pacotes e pacotes de lenços de papel desbastados. Assoadelas grotescas e soantes. Gritos de raiva. De impossibilidades indignadas.
A vida é mesmo macabra, confirmo. Imaginar mundos cruéis lá fora para quê, se os tenho aqui? Se os avisto ali? Quero lá saber se o mundo está coberto de formigas e se o Mar Morto está vivo, mas não têm vida e o sal é um excesso! Os motivos do meu choro são meus. E quando choro não penso no mar. Quando choro as lágrimas brotam de dentro. Do fundo de mim. E é por isso que levo as mãos à cabeça na vã tentativa de esconder o rosto que chora também. Sempre que lhe apetecer.
Hoje chorei. Gargalhei e alegrei-me. Há muito que não lacrimejava com tanto gosto. Foram lágrimas sem dor. Mas de amor, de cumplicidade. Do enorme prazer que advém quando se admiram olhos brilhantes de regozijo e orgulho. Acabou o ciclo. Cumpriu-se a missão. E recordam-se momentos.
Hoje partilhei sucessos. Juro que tenho a barriga cheia de êxitos. Meus. Pessoais porque deles também. Sobretudo deles que foram fantásticos. E nos afectos que trocámos. Fizemos tudo a que tínhamos direito. E tudo é tudo, ponto final. Excelente e Muito Bom! Apenas Bom. Outras vezes suficiente. Algumas Não Satisfaz? Seguramente, mas não acredito.
E que importância tem se, hoje, pudemos exibir as nossas lágrimas de vaidade? Hoje, chorei sorrindo. São estas lágrimas que alimentam as minhas raízes...por isso, ainda não secaram.
Nota - Vou ter saudades de uns quantos. Porém, é dela que mais me vou lembrar. Porque sim! Da minha admirável A.R.G. esmurrada brutalmente pela vida…E do sorriso dela e dos poemas que ela escrevia. Depois lia e chorávamos as duas. E os outros choravam também…
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]