contrariar
não sou capaz
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não sou capaz
imagem da Internet
Há dias danados. Tão estúpidos! É em dias assim que o aforismo irrompe na boca da gente muito arrebatado. O melhor teria sido ficar em casa!!! De preferência, subordinada ao edredão. Na falta da areia e porque uma pessoa não é propriamente uma avestruz desconjuntada a correr que nem uma maluca.
O que é pensar. Como fazê-lo? E procurei razões que suportassem o acto. Avaliei os custos, já que, nos tempos que correm, é questão determinante. Pagam-me para pensar? Eu sei a resposta, mas enfim… Interroguei-me sobre a indispensabilidade do gesto. É mesmo preciso atormentar o cérebro com reflexões sofisticadas? Tentei perceber os tempos e os espaços. Quando? Devo pensar todos os dias? Há dias consagrados à razão? Não creio ser essencial pensar em todo o lado. Nem correcto. Só traria aborrecimentos. As pessoas a conversar disto e daquilo e eu a pensar. Não resultaria. Posteriormente, encetei outro tipo de raciocínio. E a dúvida instalou-se. Pensar sozinha não me levará a lado nenhum. É muito aborrecido. Mas pensar não é, como nascer e morrer, um acto individual? Não, não estou a pensar bem. Até são dois momentos da vida muito partilhados. Um para rir outro para chorar. No colectivo. Pensar acompanhada envolve alguma promiscuidade. Usurpa intimidade. Nem tudo o que passa pela cabeça é dizível. Antes uno e intransmissível. Penso eu! E como actuar? Em voz alta? No mais clandestino silêncio? Digo ou não digo o que estou a pensar? E o que estou a pensar será mesmo pensar? E acredito que o que estou a pensar não interesse a ninguém.
Pensar humano é. É? Então, pensamos todos. Sim! E ele, como é que pensa? Olha para o poema. E depois? Finge-se escritor ou contenta-se em ser autor? Talvez não e apenas seja um pensador… que pensou em voz alta. Ou o outro. Fernando Pessoa cogitou. Tanto que se multiplicou. Facto que em nada me ajudou. Continuo sem saber o que é pensar. Vou experimentar pensar por conta própria. Talvez resulte. Não dá! Preciso de alguém. De alguma coisa. Dos pensamentos dos outros. E não é honesto. É? Só que não tenho alternativa.
Pensar é conhecer. Julgar e raciocinar. E também comparar, compreender e saber. E não é evoluir, engendrar, sentir, criar, construir e destruir? Se assim for, exige esforço. Tanto trabalho é excessivo. Nem sei se sou capaz. Às vezes não sou. Mas não desisto de pensar que um aluno, que tenha as soluções preparadas e definitivas, não será capaz de resolver problemas do dia-a-dia. Nem tomar decisões importantes. Tão pouco pensar. Sozinho ou acompanhado. Mas pensar cansa, por isso não gosta. Não está treinado para pular e saltar. Sem parar. Não está disposto a dar uma oportunidade à solução.
Talvez seja por tudo isto, ou exactamente por nada disto, que o Simão estendeu os olhos pela sala. Depois olhou para mim.
- Professora, desista… Não é melhor dar já a resposta?
Já estava cansado. E eu também. Porque pensar dá trabalho. Então, eu dei!
tudo tem um fim
lágrimas com raízes
Nestes últimos tempos tenho-me sentido uma árvore que chora. Um tronco afogado em desencantos. Folhas que escorrem lágrimas ensanguentadas. Ramos contorcidos pela dor. Raízes que vivenciam angústias e tristezas. Uma árvore que agita descontentamento e desconforto. Às vezes disfarça. As ramificações abafam prantos e lágrimas que caiem quando o vento sopra mais forte. É ela a descarregar a mal-estar das emoções e dos reflexos interiores.
Queixumes contidos para que não constem como indecências públicas. Particularmente, para não ultrajar os sorrisos. As gargalhadas. Para evitar meneios estúpidos e rebolados. Compressões convulsivas com lágrimas e mucosidades dispensáveis. E são pacotes e pacotes de lenços de papel desbastados. Assoadelas grotescas e soantes. Gritos de raiva. De impossibilidades indignadas.
A vida é mesmo macabra, confirmo. Imaginar mundos cruéis lá fora para quê, se os tenho aqui? Se os avisto ali? Quero lá saber se o mundo está coberto de formigas e se o Mar Morto está vivo, mas não têm vida e o sal é um excesso! Os motivos do meu choro são meus. E quando choro não penso no mar. Quando choro as lágrimas brotam de dentro. Do fundo de mim. E é por isso que levo as mãos à cabeça na vã tentativa de esconder o rosto que chora também. Sempre que lhe apetecer.
Hoje chorei. Gargalhei e alegrei-me. Há muito que não lacrimejava com tanto gosto. Foram lágrimas sem dor. Mas de amor, de cumplicidade. Do enorme prazer que advém quando se admiram olhos brilhantes de regozijo e orgulho. Acabou o ciclo. Cumpriu-se a missão. E recordam-se momentos.
Hoje partilhei sucessos. Juro que tenho a barriga cheia de êxitos. Meus. Pessoais porque deles também. Sobretudo deles que foram fantásticos. E nos afectos que trocámos. Fizemos tudo a que tínhamos direito. E tudo é tudo, ponto final. Excelente e Muito Bom! Apenas Bom. Outras vezes suficiente. Algumas Não Satisfaz? Seguramente, mas não acredito.
E que importância tem se, hoje, pudemos exibir as nossas lágrimas de vaidade? Hoje, chorei sorrindo. São estas lágrimas que alimentam as minhas raízes...por isso, ainda não secaram.
Nota - Vou ter saudades de uns quantos. Porém, é dela que mais me vou lembrar. Porque sim! Da minha admirável A.R.G. esmurrada brutalmente pela vida…E do sorriso dela e dos poemas que ela escrevia. Depois lia e chorávamos as duas. E os outros choravam também…
fotografia de Paola
Hoje apetece-me subir ao monte e explicar ao céu que a terra não é redonda. Que os rios não correm para o mar. Que o Sado navega ao contrário. E não disse nada a ninguém. Que amanhã é já hoje. Que ontem é passado. Que as raivas se abraçam todos os dias. E finge-se a paz. Que o meu nome não é o meu nome. Porque odeio possessivos. Que o vento é apenas o vento. Não sabe o que faz, o tonto. Que os poetas são enganosos. Eles roubam-me as palavras. Aquelas que eu quero, e sei, para narrar emoções. Ocultam-nas para que eu não as arruíne com admiração e amor. E entoam sentimentos mascarados de engano. Disfarçam-se e querem que eu finja também. Inventam situações para camuflar as palavras, os poetas. Jogam um jogo que não sei jogar. E as palavras escondem-se e mostram-se e calam-se e comunicam e dizem-nos. Os poetas sabem o léxico todo. Sinónimos e contrários. E querem mais. Inventam palavras que emudecem as minhas. O mago da palavra burila-a. Como se fosse de cristal. Tira-lhe a luz. Extrai-lhe as impurezas. Cura-lhe os males. Copia-lhe a beleza. O poeta lança as sortes. Invoca os deuses e as forças da natureza.
No monte, oiço a musa do poeta. Que escreve poemas. Ao som da lira...
O meu gáudio advém do facto de eles se traírem. Baralham o esconder com o mostrar. Só para que eu perca o jogo. E me desnorteie na discórdia de sentidos. E brincam comigo para me deslumbrar. No desacordo de opiniões. Na subjectividade dos olhares. O poeta baralha o que quer mostrar escondendo. O poeta trabalha o mostrar e o baralhar para não ter que dizer o que quer esconder.
Mas não posso! Não sei trepar.
Nota - Hoje, os meus alunos viram assim os poetas. Este texto é quase só deles…
(imagem de www.aleac.ac.gov.br/.../
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