É sábado, eu sei. Amarelo e estreito. E depois? Um dia a seguir ao outro. E o outro é sexta-feira. E depois? Se a contagem é decrescente. E o ano tem nome. Não é Juliano, não. Nem sequer Gregoriano. Tem nome que não digo. Há muito que a maravilha é a Lua. Também o Sol. Ainda mais o encadeado dos dias e das noites. E a Lua tem fases. E a minha não é boa. Mirra-lhe o brilho que já teve. Definharam as vontades. Adormeceram as intenções. O tempo é insuficiente para recitar o ciclo das estações. E agora é Inverno. Neva no beco sem ali. O Sol desfez as lendas, abriu fendas. Está frio. Tenho frio!
É sábado. A semana tem sete dias. E o sete é um número de mistérios. Significados e simbologias. E sete são os dias da semana. E depois? Se o sétimo dia é sábado. E sete são os pecados mortais. Inveja, Gula, Soberba, Vaidade… perece o último sábado de Agosto. Eu sei. É sábado. E depois?
O sete é símbolo da perfeição. E que importa se é uma ilusão? Se o mês acaba aqui. Amanhã é Setembro e eu já nem me lembro de um dia assim. Desconsolado e pardacento. E como o gato tem sete vidas, quando só de uma necessita, duas serão para mim. Fico com três. Exactamente a conta que Deus fez. Para morrer e ressuscitar a seguir e voltar a morrer quando calhar a minha vez. É sábado, eu sei. E depois? Se é o último e as inquietações chegarão mais do que sete. Por isso, não comi, como de costume, o admirável arroz-doce da dona Perpétua. Porque segunda-feira não é dia gulodices. E a gula é um dos sete pecados mortais.
Segunda-feira é a introdução. O ponto de partida da história e a apresentação das personagens. O desenvolvimento vem a seguir. A intriga e muitas peripécias. E o clímax chega de mansinho. A conclusão? Só quando tudo estiver bem resolvido. O desenlace? Narrativa aberta. Com algumas fendas. Prometo não invocar o santo nome de Deus em vão. Sempre que possível e se o engenho e a arte me coadjuvarem. E santificarei os domingos, certamente. Os sábados que os antecedem. E todas feriados e dias santos. Todos!
Porém, não me obriguem a guardar castidade nos pensamentos e desejos. Desacordos e insatisfações. Não posso! Nem serei capaz. Mas vou pedir que me contem uma história de pensar. Com os Sete Anões. A Branca de Neve mais o Príncipe. E o beijo. Mas sem a madrasta rainha. Para não ter que fugir a sete pés. Não posso. E a minha intimidade como os laboriosos pequenotes conta-se no livro que recebi num Natal, em Dezembro.
Sou do tempo em que a escola que respondia às necessidades de uma sociedade calada e torturada. Aprendia-se o que eles queriam que nós aprendêssemos num sistema agrilhoado e centralizado. Num livro único. A preto e branco. Com ilustrações estúpidas e distantes da realidade.
A escola que o Estado Novo impôs em Portugal era elitista. A população portuguesa era analfabeta. E Portugal a ignorância foi o expediente de um regime que censurava a informação e proibia as liberdades políticas. Impunha uma orientação religiosa. Separava os rapazes e das raparigas. Os professores utilizavam com muita frequência castigos corporais severos. É tudo verdade. Há testemunhos.
Atravessei a chamada “primavera marcelista”, apesar da minha inconsciência política. Por isso, só depois de 1974 é que comecei a perceber a razão dos meus acidentes escolares. Mas não me queixo muito. Uma ou outra reguada e pouco mais. O que odiei mesmo foram as chamadas a História, já no ensino secundário.
Nada do que aprendi, ou memorizei, me fez mal. Nem sequer a catequese ao sábado e a meia hora diária a cargo das freiras que viviam num convento mesmo ali ao lado. Talvez tenham contribuído para a construção da minha religiosidade. Ou a falta dela. Agradeço-lhes o tributo para o aperfeiçoamento do meu sentido crítico. É que a algumas práticas da igreja católica portuguesa não lembram ao mafarrico. Nem o óleo de fígado de bacalhau que provocava vómitos contidos e lágrimas pequeninas, não fosse a professora ver. Também não sei se fez bem. Mal não fez. Até as fotografias colocadas por cima do quadro, idolatradas por obrigação, foram úteis para mim. Aprendi a reconhecer os rostos daqueles que sugaram a liberdade e ofenderam um povo com a violência do poder.
Não foram as lições de Salazar, e seguidores, que me fizeram pensar como eles. Todavia, esses preceitos ensinaram-me que os deveria rejeitar. E ainda hoje não aceito que o País seja, como era, representado por uma galeria de santos, mártires e heróis. E tantos que fazem a primeira página dos jornais…
Aguentei e teimei. Hoje sou professora. Com um programa centralizado, e único, que cumpro. Com liberdade de dizer. Cerca de 34 anos depois de Abril, a sociedade portuguesa ainda não compreendeu que os professores de hoje não são os de então. Que se é professor 365, ou 366, dias por ano. E ao serão. E ao fim-de-semana. Agora também por email. Porque um professor não é um produto acabado.
Hoje, da mesma forma que odeio um regime que analfabetizou um país, não suporto que me digam que tenho 3 meses de férias. É que não tenho, nem nunca tive.
Quanto tempo mais é preciso para que se saiba que os professores não têm culpa das cambalhotas que o ensino tem dado em Portugal? É que eles também são vítimas.
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]