Quando era menina, chegar aqui assinalava o início da caminhada. Depois dali, os passos marcavam a cadência e a melancia amenizava a sede. Os fetos exultavam no estardalhaço do verde e enovelavam-se nos pinheiros. A cegonha ficava. Ao ritmo das crias. Na segurança do lugar. E a minha mãe dizia “Chegámos” com a boca cheia de satisfação. Sem que eu percebesse a razão. Porque faltava tanto. Agora entendo que as cegonhas pertencem a um só lugar. Como ela. Estejam onde estiverem. Porque o céu é azul… Sempre lá no alto.
… ao longo da estrada, os pinheiros despiam o dia. vacilavam no devaneio das agulhas, abrindo brechas à imaginação… e flautas de carumas, entoavam explosões coloridas... as palavras galgavam os trilhos indecisos de outrora… ali, onde a luz deixa tudo acontecer... as aves revelavam-se no descanso dos beijostranquilos … nas penas arrecadadas nos arrozais... e eu peregrinava à beira da emoção sedenta daqueles espaços e tempos… até onde os meus voos me agarraram… a concertina dançava cantigas de alegria e o rio gargalhava ondas de bonança… agora que tudo são dunas de areia fina, permanece a colorida rapsódia de interpretações harmoniosas… um coro de vozes rasga o silêncio… as sombras ficaram para trás… temperei-me com o sal do rio… num projecto de moderado equilíbrio poente...
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]