28
Abr08
pelos marcadores - carinhos da menina
Paola
Uma sala de aula igual a tantas outras... Mesas desajustadas às pernas compridas dos alunos; cadeiras curtas, desproporcionais ao tamanho deles. Um quadro preto marcado pela varicela que ninguém apagou. Umas janelas que há muito não cumprem a sua função. Umas paredes incolores, frias, nuas.Vinte e quatro alunos sentados. Uma professora com outros tantos enunciados na mão, pronta a confirmar o medo que lhes sobrava dos sorrisos acinzentados. Uma porta escancarada, a cumprir-se janela. Um dia de teste.
A tarefa foi iniciada ao mesmo tempo. Cabeças mergulhadas no papel, dedos nervosos e inquietos passavam para o papel conteúdos aprendidos, conteúdos já esquecidos, conteúdos a haver...Porém, bem cedo começaram as desistências... Cabeças no ar, rostos atormentados, talvez arrependidos por não terem estudado. Por não me terem escutado.
Eu lia um livro. Umas quantas páginas, depois parei. Cansei-me... A leitura é cumplicidade, é intimidade e eu tinha muitos olhos a mirar-me. Não sei se por inveja, se por admiração ou se por estranheza... Não têm hábitos de leitura. Um ou outro já me segredou que nunca ninguém tinha lido para eles, apenas eu... À noitinha vou retomar a leitura.
Olhei para um, depois para outro e a seguir para a porta... Um arbusto de folhinhas miudinhas, de flores branquinhas confirmava a Primavera. Apesar da distância, entrou... trouxe raminhos frágeis, frescos, insinuantes até à sala. Era o vento que lhe sussurrava segredos, coisas do tempo. Era o vento que lhe cochichava que na Primavera tudo pode acontecer. Frio, vento, sol, chuva, calor... que o ciclo se repetia. E à minha memória chegou a redacção que a minha professora da terceira classe sempre pedia nesta altura do ano. Aquela que, invariavelmente, explicava que a Primavera é a primeira e mais bonita estação do ano. A minha escrita confirmava de forma muito sabedora que os dias começavam a ficar mais amenos e maiores. Que a natureza ficava repleta de cores vivas e tudo era muito belo. Nunca me esquecia das borboletas e das andorinhas... nem das roupas frescas e dos frutos vermelhos e da erva verdinha. Acabava sempre com um conselho muito ecológico. Que devíamos cuidar das árvores e até plantar mais algumas. Não me deram atenção e estamos como estamos.
Tocou... não sei se o primeiro se o segundo toque - porque há dois! Recolhi os testes. A demandada começou. Que respondeste na número dois? E na seis? O que é uma oração? E a análise sintáctica?...E lá foram para a brincadeira com as mesmas certezas com que entraram. As dúvidas deixaram-nas nas respostas que escreveram.
Os meus alunos não viram o arbusto de flores brancas e folhas miudinhas. Estavam de costas para a porta. Não viram a Primavera entrar na sala. Estavam distraídos. Não leram a minha composição sobre as borboletas e os frutos vermelhos. Não gostam de ler. Alguns nem notaram que li umas quantas páginas de um livro.
Excepto a A., uma menina de sorriso franco. De gargalhada aguda, talvez para se defender do rigor da vida. Chegou até mim, sorriu, estendeu uma mão ávida de afectos e disse tome, é para si... Olhei, não percebi de imediato e ela insistiu fiz para si, é um marcador para não se esquecer da página... Da página? perguntei. Sim, não estava a ler um livro? É bonito?
Ela foi-se embora e eu coloquei o marcador, uma tira branca de papel com autocolantes... florzinhas, na última página que lera. Para não me esquecer do sorriso honesto e rasgado da A. Obrigada, minha linda.
Numa aula condenada à monotonia de um teste dedicado ao texto narrativo aconteceu poesia. A da flor, da Primavera, do livro e da A. ... e a do marcador de papel, com floritas e um beijinho.
A tarefa foi iniciada ao mesmo tempo. Cabeças mergulhadas no papel, dedos nervosos e inquietos passavam para o papel conteúdos aprendidos, conteúdos já esquecidos, conteúdos a haver...Porém, bem cedo começaram as desistências... Cabeças no ar, rostos atormentados, talvez arrependidos por não terem estudado. Por não me terem escutado.
Eu lia um livro. Umas quantas páginas, depois parei. Cansei-me... A leitura é cumplicidade, é intimidade e eu tinha muitos olhos a mirar-me. Não sei se por inveja, se por admiração ou se por estranheza... Não têm hábitos de leitura. Um ou outro já me segredou que nunca ninguém tinha lido para eles, apenas eu... À noitinha vou retomar a leitura.
Olhei para um, depois para outro e a seguir para a porta... Um arbusto de folhinhas miudinhas, de flores branquinhas confirmava a Primavera. Apesar da distância, entrou... trouxe raminhos frágeis, frescos, insinuantes até à sala. Era o vento que lhe sussurrava segredos, coisas do tempo. Era o vento que lhe cochichava que na Primavera tudo pode acontecer. Frio, vento, sol, chuva, calor... que o ciclo se repetia. E à minha memória chegou a redacção que a minha professora da terceira classe sempre pedia nesta altura do ano. Aquela que, invariavelmente, explicava que a Primavera é a primeira e mais bonita estação do ano. A minha escrita confirmava de forma muito sabedora que os dias começavam a ficar mais amenos e maiores. Que a natureza ficava repleta de cores vivas e tudo era muito belo. Nunca me esquecia das borboletas e das andorinhas... nem das roupas frescas e dos frutos vermelhos e da erva verdinha. Acabava sempre com um conselho muito ecológico. Que devíamos cuidar das árvores e até plantar mais algumas. Não me deram atenção e estamos como estamos.
Tocou... não sei se o primeiro se o segundo toque - porque há dois! Recolhi os testes. A demandada começou. Que respondeste na número dois? E na seis? O que é uma oração? E a análise sintáctica?...E lá foram para a brincadeira com as mesmas certezas com que entraram. As dúvidas deixaram-nas nas respostas que escreveram.
Os meus alunos não viram o arbusto de flores brancas e folhas miudinhas. Estavam de costas para a porta. Não viram a Primavera entrar na sala. Estavam distraídos. Não leram a minha composição sobre as borboletas e os frutos vermelhos. Não gostam de ler. Alguns nem notaram que li umas quantas páginas de um livro.
Excepto a A., uma menina de sorriso franco. De gargalhada aguda, talvez para se defender do rigor da vida. Chegou até mim, sorriu, estendeu uma mão ávida de afectos e disse tome, é para si... Olhei, não percebi de imediato e ela insistiu fiz para si, é um marcador para não se esquecer da página... Da página? perguntei. Sim, não estava a ler um livro? É bonito?
Ela foi-se embora e eu coloquei o marcador, uma tira branca de papel com autocolantes... florzinhas, na última página que lera. Para não me esquecer do sorriso honesto e rasgado da A. Obrigada, minha linda.
Numa aula condenada à monotonia de um teste dedicado ao texto narrativo aconteceu poesia. A da flor, da Primavera, do livro e da A. ... e a do marcador de papel, com floritas e um beijinho.
Deixa-me olhar, deixa-me...