21
Nov08
desertificar
Paola
da Internet
dunas de água
Grandes são os desertos! No deserto os mares são de areia. As ondas são dunas esmurradas pelo vento. E o vento cospe, nos olhos dos incautos caminhantes, imensidades desabrigadas. E a mentira espalha-se por pungentes e desagasalhadas miragens. Mentiras multiplicadas na escassez da precipitação. No deserto estendem-se erosões eólicas, com espaço para chorar. Gritam-se heresias e abrem-se caminhos para o senhor passar. Pregando na solidão. Rezando a ignorância do seu sermão.
Grandes são os desertos! Porém, Santo António escolheu os peixes porque tinha o mar. Ouviram sem falar. Escutaram aplausos e admoestações, os peixes. Mas o pregador não percebeu a presença dos roncadores. Que peixes tão pequenos fossem estrondos ásperos no mar. E existem, sim. O Santo estranhava a ausência de peixes no deserto. São serpentes, cobras e lagartos. E muitos roedores. E porque têm muito calor, desfiguram-se no areeiro. À noite, esguicham das tocas e embebedam-se ao luar.
Grandes são os desertos! O vento expulsa as nuvens e dá o lugar ao Sol. Para que ele fervilhe com mais violência. E muita claridade. Corrompe a verdade e institui a sede como genuína. Reflecte desejos e poças de água no chão. E as almas errantes desnudam-se em decepções perturbadoras. A miragem diz que não, prefere falar em ilusão. Sonegando a desilusão.
Grandes são os desertos! Por isso, um rio acontece prodigiosamente. Águas sossegadas alvoroçam-se persistentemente na busca do mar. Tudo numa alegre romaria. Com aromas exóticos e areias coloridas. Canela afrodisíaca. Muita. Aromática e com propriedades antidiarreicas. Cuida de úlceras e ajuda a refrear a diabetes. Virtudes num deserto sem mar, mas pródigo em sermões.
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
(A.Campos/F.Pessoa)