[quando não sei de que falo, calo-me. E olho para lá...]
Não sei do que falo. Não sei conversar de todas as verdades em que paro. Perco-me e não vejo a minha. Por vezes, tento explicar mentiras. Caio no momento em que encontro outras mais.
Não sei de que falo. Na verdade, não consigo comentar o luar. E como a Lua se enfeitiça pelo mar. Não sei de que falo, quando me calo diante da beleza daquela roseira que enfeitava a paciência da minha mãe. E ela nunca lhe entendeu a efemeridade.
Fala-me daquilo que eu não sei! Para que eu possa falar…Agora, não sei de que falo. Tão-pouco se quero falar.
Não sei de que falo. E depois? Não importa… Desvendo-me dentro do silêncio com que as palavras me protegem. Ah! Eu sei o que é. No entanto, não sei explicar.
[Passeios ao domingo]
Aos domingos, dava passeios pela avenida principal. Alindava-se para os ver passar, invejando-lhes a agilidade. Até a ganância do primeiro beijo. Beijo doce. Salgado. Perfumado com odores de laranja. A turbulência das mãos na brandura do olhar. Mãos de seda que buscavam o Sol, nas vísceras do tempo. Na impermanência do querer.
Do lado de cima, tudo lhe parecia muito do mesmo. Na monotonia dos gestos. Na incontinência dos compromissos. Nos zunidos distantes da música. Do lado das raízes, nada se rebanhava na semelhança repetida aos domingos à tarde, na calçada. Tão diferente do lado de lá!
Já conhecia os seus passeios. Em tempos, contara-lhes as pedras, distinguindo as brancas das pretas. Mas havia as cinzentas. Turvas. Turbulentas e indecentemente indecisas. Embriagadas. Dessas, nunca entendera a cor.
o acto de alterar
de filha a mãe e ao contrário
A Maria era uma menina. Um daqueles seres que transportava o mar nos olhos e a paz no coração. O corpo servia-lhe para saltar de pedrinha em pedrinha, depois de mergulhar nas águas do ribeiro da sua infância.
Naquele dia, Maria acordara cedo. A manhã acontecera no chilreio dos pardais que, sorrateiramente, se desagalhavam dos beirais. Há tanto que a menina a esperava nas suas redacções primaveris! Apesar da ortografia, a Primavera chegou na alvura da manhã.
Maria levantou-se apressadamente. Tomou o pequeno-almoço despachadamente. E preparou-se para sair sorrateiramente… Não queria acordar os pais. Não por eles, mas por ela. Mal levantou os olhos da mesa, gritou. Tanta foi a perturbação que se ouviu no rio. À sua frente duas crianças disputavam o lugar à janela... empurravam-se… batiam-se… mordiam palavras encarniçadas… Maria ordenou-lhes que se calassem. Mostrou-lhes a imbecilidade do comportamento. Ameaçou-as com o chinelo. Com o quarto sem televisão. E estranhou-se… mais se desconheceu no exacto instante em que as desassossegadas criaturas lhe obedeceram… No vidro da cristaleira, viu-se mulher. Por isso, tornou a bradar. Uivou uma alcateia desvairada, na melhor imitação que alguém já conhecera. Embasbacada. Estarrecida. Aturdida. Beliscou-se, flagelou-se, lavou a cara, esfregou os olhos, saltou, pisou-se, engasgou-se com palavras do recreio da escola...Tinha-se, de facto, transfigurado numa mãe-mulher. Com dois filhos para cuidar, exactamente aqueles que a amamentaram. E não sabia a explicar a transformação!
Maria entristeceu repentinamente. Acabara de prometer a si própria que seria eternamente criança… abraçar a vida com linhas rectas de abraços.Tudo mudara. E agora? Maria não encontrava respostas, até porque as deixou de procurar. Não fosse a morte encontrar, por tanto a desejar…
Maria estava aterrorizada e tão triste, a triste. Adulta? Assim, de um momento para o outro? Como foi possível? Não ouviu a resposta. Morreu de desilusão. Houve quem garantisse que não. E falava-se numa enorme perda de ilusão.
[imagem da internet]
de @LIX
O que eu queria mesmo é dar cambalhotas! Percebem? Cambalhotas! Num tapete sem fim. Daqui até ao vento. E que, quando lá chegasse, ele me ensinasse a voar e a cambalhotar. Para eu continuar a rodopiar. Tal e qual como se o mundo fosse uma enorme bola de goma-elástica. Colorida e muito divertida. Que me fizesse acreditar o que o meu corpo me obriga esquecer. Que posso saltar com uma perna, correr, nadar, esticar-me ao comprido. Deitar-me no chão. Num tapete vermelho que fingia comigo. E os dois, de mão dada, deslizávamos por aí. Porque a cambalhota é uma volta que se dá de cabeça para baixo. Uma reviravolta. Um trambolhão. Queda, não.
O que eu queria mesmo é dar cambalhotas! Percebem? Cambalhotas! E voar ao contrário.
o sabor da cortiça
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