sem algemas - aqui minto descaradamente
Aqui minto descaradamente. Tudo é fictício, tudo é teatro. Na verdade, todos enganamos, todos mentimos. Máscaras e mais máscaras que se revezam entre a comédia e a tragédia. Nada as impede de percorrer ruas, cidades, países, o mundo. Jardins proibidos. Paraísos inventados. Vidas fingidas. Aqui, há que simular, há que aparentar. Tudo é hostil, tudo me irrita, tudo me afecta. Tudo amo. Tudo se constrói num imenso deserto mental do qual nem sempre soube, ou não quero, sair. Aqui sou seu. Sem correntes, sem algemas, sem peias que lá fora me impõem. Aqui revelo-me como sou. Aqui dispo-me de circunstâncias conjunturais. Aqui sou apenas refém de mim. Aqui posso colorir a liberdade com as cores que eu sei de cor... Aqui digo sem medo de represálias. Aqui digo verdades. Aqui digo mentiras. Aqui finjo ambas.
Aqui mostro-me transparente. Exponho a minha nudez aos vosso olhos. Aqui me oculto na opacidade do meu corpo. Aqui exibo a minha pele translúcida. Aqui sou como sou. Ficção que a vida escreveu. Sou Menina e Moça que já fui; errei por Cidades e as Serras; sou Gente Singular. Sou Húmus, sou Clepsidra, sou Tanta Gente, Mariana... Perdi-me no Labirinto da Saudade e reencontrei-me no Vale da Paixão. Chorei quando O Principezinho me fez sobra, sorri ao ver a minha morte julgada na Barca do Inferno. Colhi A Maior Flor do Mundo, fiquei estupefacta perante a Inaudita Guerra da Avenida Gago Coutinho. Irmano-me na sorte de Os Bichos e até sei Um Segredo sobre passarinhos... E porque a Demanda se faz desejo de cor nunca vista, eu não Sobrei da História dos meus Pais, seguramente. Aqui posso partir à descoberta do Conto da Ilha Desconhecida saindo pela porta das decisões. Ou aguardar calmamente à porta dos obséquios. Aqui posso Falar Verdade a Mentir ...
Aqui, nem sempre sou eu! Aqui eu posso não ser eu, sendo eu! Eu cumpro-me no paradoxo de ser e não ser. Eu sou porque tu existes... Eu sou produto da evolução da minha espécie e espero que a selecção natural actue sobre mim e melhore a minha adaptação a um meio que fere e que dói.
Ignoro de quem descendo. Rezo para que não tenha em mim um réptil derrotado por um qualquer dinossauro.
Dinossauro tem feminino!Tem?
(Imagem de Alma Em Flor)