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ponto de admiração

ponto de admiração

01
Jan09

utopiar

Paola

três desejos de ano novo
 
 
 
 
 
Era uma vez um menino muito pobre que vivia numa aldeia tão pobre quanto ele. Até o riacho, onde chapinhava no Verão, morria à sede com água pelo tornozelo. E ambos agonizavam nas tormentas que calavam. E choravam a sorte, empoleirados numa pedra cinzenta.
 
O menino tiritava de frio, ao mesmo tempo que arremessava pedrinhas na esperança de ouvir onomatopeias cantantes. Foram gestos vãos. Esforços falhados para amornar as mãos. E de repente, uma pedrita muito afável interpelou o rapaz:
 
- Três desejos, apenas três… Queres?
- Tu? Disfarçada de génio? E o Aladino?
- Se não queres, não queiras! Depois, não grites…
- Concedes-me três desejos, é?
- Irra! Não disse já que sim?
- Uma casa! Tens?
- Certo, meu petiz.
- Dinheiro? Preciso de algum…
- É normal… E qual é o teu último desejo?
 
Fez-se um silêncio tão grande que nem as rãs se atreviam a coaxar…
 
- Uma família! Não precisa de ser muito numerosa… apenas que chegue para o ano inteiro. Mas tem que ter um irmão!
 
- Bem pensado, sim senhor! Tenho que me ir embora… Gostei do tempinho que estive contigo, rapaz.
 
E desapareceu num silêncio tão excessivo que se ouviu a pedra a rolar. E o menino pensou que tinha sido engano… que nem acreditava em milagres... mas que podia desejar. 
 
A utopia é inatingível, se fosse certeza não era utopia! Mas não deixa de ser o princípio da esperança... 
 
 
 
 
O verbo foi sugestão do Perfume, a história foi escrita pelo D.Q. , um menino também...  Só a aproveitei!
 
27
Set08

apetecer

Paola

de Paola, as galinhas

Hoje é sábado, mas não me é consentido falar… Por isso, vou apenas murmurar. E se alguém perceber? Não, é melhor suspirar … Ai que me estão a ouvir! Assim não dá. Irra! Tanto que me apetece gritar. Talvez, rumorejar. Ai, ai que me estão a escutar. Tenho mesmo é que me calar.

 

Shiu! Apetece-me arroz-doce. Com muita canela. Admirável. Só mais um segredo pequenino e muito baixinho, sim? Tanto que me apetece praguejar! Mas só poder cacarejar é muito pouco. E muito devagarinho, apetece concluir que não percebo nada disto... Se eu disser que anda meio mundo a fingir é apenas porque me apatece. Ou então sou eu, que não me apetece pensar. Ou não me apetece escrever. Pode apetecer! Ou não? Mas apetece-me ser barco. Procurar o mar e vaguear. Pular as ondas. As tempestades e os temporais. E não voltar ao cais. Apetece-me!

 

 

26
Set08

ter

Paola

  de Jorge Soares, libelinha

 

Porque ter e não ter é mesmo a questão. Ou ter até ver. Ou não ter e até ter. E que tenho eu? Não tenho voz para falar. Nem mesmo murmurar. Nem vontade para esbracejar. Apenas uma lágrima se lançou da janela. Sem saber onde fica  o mar. Sem ter jeito para tocar viola. Porque não tem intenção de cantar. Só de chorar. E quando ter se conjuga sempre no presente e repentinamente já só tem condicional? Sem futuro. E com um pretérito muito imperfeito? Ter e perder, ai tanto que dói. E é neste instante que as letras se volatilizam e deixam as palavras nuas. E as frases despedaçam-se em interjeições que são frases excessivamente impressionáveis. E muitas admirações. E acentos. Graves. Também agudos. E tem pontos finais.

 

- Quem lá ia muitas vezes era o seu paizinho que Deus tem…

 

Não sei se tem! Se Deus tem o meu pai é porque já o levou. Se o pai é meu não o deveria ter eu? Não tenho notícia que o possessivo não especifique a posse. A sintaxe tem regras. O sujeito sou eu. Nem concordo que Ele mo tenha surripiado. Nem Lhe fica bem tamanha ousadia. Os pais são dos filhos, acabou-se a discussão. E os filhos dos pais. Mas não entendo a razão por que se roubam amores. Nem o regozijo a mim. Ter, não tenho. E ele tem? Tem!

 

 

23
Set08

matar

Paola

de Paola (Gincho, Cascais)

 

não é preciso

 

Mato moscas. As que penetram sem autorização. E mato mosquitos. Todinhos, que são bicho ruim. E mato a sede. Sempre que posso. Normalmente com água que é coisa boa. Mesmo que a inodora, insípida e incolor seja uma miragem. Mas gosto tanto das garrafinhas com tampas multicores. Comprei-as por reconhecer que até ficam bem no frigorífico. Amarelas e com formas. E falam comigo. Dizem… É segredo. Não explico, não vá alguém querer também. E mato os aranhiços. Só que fico cheia de hesitações. Mato? Não mato? Mato! Mas dizem que é dinheiro… E tanta falta que ele me faz. Em vez do pobre aranhão, devia era matar o bicho. O outro. O da manhã. Não tenho tempo!! O tempo? Todos os dias. E por mim matava-o todo. Talvez assim vivesse mais uns dias. Só que o danado não deixa. E foge. Voa. Não que se enlate em fluidos que facultam asas. Pelo que sei, nem bebe. Ou bebe? Se calhar eu é que não sei. E enfia-se nos relógios que tenho. É por estas, e por outras evidentemente, que deixei de dar corda ao relógio da sala. Calculo que o matei. Paciência! Não era vida para mim. Sempre a badalar. Porque era hora. Por fim metade só. Azucrinava-me os ouvidos com o quarto dela. Agora que o calei, sinto saudade. Pobrezinho! Aquilo não se faz. Só o matei, nada mais. E mato a fome, com certeza. E quem não mata? Antes ela do que eu. Todos os dias. Não tenho é tempo. Devo dar corda ao relógio? Não dou! Não preciso dele para comer. Já me basta a barriga a dar horas. Ufa! Matar, matar… Só mato a saudade. Desato acorrer e vou lá. Pronto! Já está. O pior mesmo é os que já morreram . Lembro-me deles. Afago-os com minha memória e peço-lhes que não esperem por mim. Às vezes choro. Outras mato-me a chorar. E lá vou eu trabalhar. Outra morte certa. Há quem se mate a actuar. Eu só fico moribunda. Que sensata que eu sou! Mentira! Há dias que morro, só que ressuscito. Ele não ressuscitou? Então eu também posso. Atenção, que também já morri de amor. Mas isso foi muito bom. Agora só gosto. Muito! Deles. E é admirável. E mato-me a rir. Só quando a deliberação esguicha cá de dentro. De fora não dá. Choro e tudo. Atitude sem sentido, aquilo nem é um funeral. Juro que não estrangulei o casamento. Ele é que morreu. Estava lá e vi. Outro dia, torturei não sei quantos, pedaços de mim. Irritei-me. Guerra de eus. Empertigados e ruins. Todos com opinião. A querer decisão. Já chega o outro, que se desdisse em pessoa. Ele foi capaz. Matar o desgraçado do vício é premente. Só que há uns que não mato. Nem que morra por causa deles. Outros, deixo-os definhar. Não me importo. Nunca matei uma galinha. Coitadinha, degoladinha! E mais não matei. Ou já me esqueci? Ou não quero dizer? Não me lembro.

 

Com tanta coisa para matar, há que esganar o cão do vizinho? Ou o vizinho. Ou a vida. Não concordo! Não! Mas não é por isso que me vou matar. Pode-se sempre dar cabo do stress. É palavra estranha e não deita pinga de sangue!

 

04
Set08

mandar

Paola

 eu não mando

 

Aqui, no meu ponto de admiração, digo verdades. Digo mentiras. Ambas ficciono. Invento e reinvento. Aqui finjo ambas. E é nesta incerteza que gosto de estar. Porque eu conheço-as! Entre a verdade-máscara e a mentira-verdadeira. Um jogo duplo. Que as palavras me deixam jogar. Ou não. Admiro-me com o sim e com o não.

Com o pôr-do-sol. E o perfume das flores. A emoção chega com as gargalhadas puras e sonoras dos meninos. Com o Sol a acariciar o mar. E só com o mar. Admiro-me com todos os sentidos. Por isso, choro com as desgraças que por aí há. Praguejo com as que me inventam. Porque a vida é assim. Abraça-me umas vezes, chicoteia-me outras. E eu, às vezes, não a percebo. E chego à conclusão que ela me plagia. Que mente e diz certezas. Que fantasia. Provavelmente, terá um blogue com o mesmo título que o meu. Um dia, hei-de encontrar o endereço. Só que sabe mais palavras do que eu. Para dizer os sentimentos todos. Eu nem sempre sei.

 

Hoje, somem-se as palavras que eu demando. Esgota-se a intenção de jogar e fingir que estou a mentir. Ou não. Não me apetece redigir invenções de mim. Não sei palavras que me exprimam. E creio que estou a maltratar o não. Um triste advérbio de dizer não. Porque não quero. Mas eu não decreto, que fique claro.

 

Estou desgostosa. Não sei sinónimos. Não sei definições. Nem decisões. Mas estou. Pronto! Já disse. Por causa das pessoas. Que pensam que dividir é o mesmo que somar. Precipitações apressadas. Sim, talvez, NÃO!

 

 

22
Ago08

babar

Paola

 palavras babadas

 

 

Uma língua lambe-se com palavras. Dádivas que dizem o que se fala. Delimitam-se em fronteiras gastronómicas. Encantam-se nas cantigas de embalar. Nas lengalengas. Adormecem com histórias de encantar. Completam-se nas interjeições sentimentais. E cumprem-se na diversidade de aromas e sabores. Riem-se com onomatopeias brincalhonas. E jogam às escondidas com sinónimos e antónimos. Apaixonam-se e dão risinhos estridentes. E o determinante muito definido, masculino e único. Corpóreo e puro diz-se desvairadamente perdido de amores. Elevado com o nome. Também ele masculino. Por causa da concordância. Moreno. De olhos negros. Vivos e brilhantes. O artigo cansa-se com o assédio. Irra! É demais. Esperneia quando o nome é próprio e o amor singular. Mas diz-lhe que sim. Porém resiste. Enleiam-se num jogo de sedução cúmplice. O determinante persegue o nome. E este esconde-se para ressurgir risonho. Depois é o nome. Oculta-se também. E gargalham brincadeiras de rir e de chorar. Na rua passeiam a vaidade. Com atributos de todas as cores e paladares. No masculino. Singular. Trocam beijos e afectos em público. Abraços e mimos. A inocência da idade não lhes impõe bulícios desarvorados. Apenas sorrisos. E conivências no olhar. Oferecem-se na sedução do romance e do extraordinário. E publicam palavras atulhadas de afectos. Tantas. Todavia, preferem as que se iniciam por i. Imagem. Intuição. Importante. Imenso. Instinto. Iluminação. Infância. Identidade. Ir. Ir em frente. Inicial de inicialmente. Isaac de nome. Próprio. Alegria, felicidade e também filho de promessas. De juras de amor.
A gravidade explica os movimentos dos planetas, mas não pode explicar quem colocou os planetas em movimento. Nem este novo e admirável astro. E as palavras que eu sei não chegam para dizer o I.

 

20
Jun08

pelo alívio de tensões – as regras do jogo / parte III

Paola

  ou a velhice da vida


Eu sigo pelo passeio do lado direito. E o rapaz continua a pontapear a bola. Agride-a com carinho. Com os ténis cansados de tanto rematar. Goleia a equipa adversária. Ergue a taça. Ouve os aplausos e o bruaá da multidão que entoa cânticos de vitória. Marcou o golo do triunfo. Atira-se para o chão e chora. Lágrimas com gosto a êxito. Que é história. Que se faz narrativa ao serão. Ninguém o ouve, porque recolhem atestados de transportes. Desprovidos de tempo para o sono. Sem invenções para aprontar o jantar. Com desejo de dormir e, talvez, sonhar que o dia seguinte acordará domingo ou feriado.Tanto faz. Que bom que ao domingo não houvesse nada para fazer.

 

- O primeiro dia da semana, o domingo, é dia descanso…

- Descanso, não, pai! Irrompeu logo o rapaz. A Joana trabalha na loja no centro comercial. O fim-de-semana dela é a quarta e a quinta! Ela não tem domingo, pai!

- Pois…

 

Esperam uma semana que seja domingo. Vão à missa. Arquitectam um almoço com todos à mesa. Depois, escapam-se para tomar café no senhor António. E cavaqueiam até meio da tarde. Na memória guardam as novidades da rua. Segredinhos de vizinhança. Intensos e banais para que durem até ao domingo seguinte. É sempre assim aos domingos. Às vezes, ainda lhes sobra tempo para ir até ao centro comercial. O miúdo também vai. Só que contrariado. Preferia que lhe vissem o jeito para o futebol. Que o aplaudissem nas vitórias.

 

- Vais ver o meu jogo?

- Hoje é domingo. Vou descansar. Aliviar a fadiga.

- Vem!

- Vais jogar sozinho. Não tens equipa!

- Pois não…

 

Ao domingo de manhã costumam rir à gargalhada. Para enxotar os espíritos. O mau-olhado que a segunda-feira tem. À tarde, desenham projectos para concretizar na fila do autocarro. E não riem. Ainda estão estafados.

 

O garoto e a bola concretizam-se nas imagens repetidas na televisão. Com destaque a cada meia hora. Em horário nobre. Como se a nobreza se atormentasse com a publicidade. Têm jardins com plantas sempre verdes para guarnecer os jardins e espelhos de água. E palácios e palacetes ajoelhados na areia da praia com janelas a espreitar o mar. Os brasões não jogam à bola na praceta da rua de um bairro sem insígnias. Estranham o muro branco da casa das nespereiras. Apoiam-se no esqui completo (botas e bastões) e escorregam nos relvados cobertos com neve.

 

O Ti João tem uma bengala. Foi uma vizinha que lha deu. Há pessoas boas, comentava. Aquela tem mesmo ar de boa pessoa, indicava com o dedo e sorria. Quase que corava. Eu pressenti-lhe o rubor. E não se enganava. Corriam rumores que ele conseguia farejar gente boa à distância. Mesmo no lado de lá da rua. O homem amparava-se naquele pedaço de pau arqueado. Ainda se lhe percebia o brio de madeira nobre e as marcas de uma qualquer incrustação no punho. Provavelmente restos de uma espécie francesa. Com um cabo de prata. Sobras de êxodos clandestinos depois legalizados. Um generoso utensílio a fornecer apoio a quem precisa. Outras vezes artificiosas. Inúteis. Há homens que usam a bengala como sinal de distinção social. Uma bengala como sinal distintivo. Uma bengala que não transformava o Ti João num jovem moderno e airoso. Mas ele sonhava e imaginava que sim.

 

E jogam com as suas ilusões de criança. Um ainda é. O outro já foi.

 

O rapaz remata sozinho. Para um guarda-redes transparente. O Ti João confiava que teria consulta no dia seguinte. Desde que fosse cedo. Próximo da madrugada.

 

Os dois estão desacompanhados. E fantasiam. Inspiram audácias. Que se cumpririam no segundo dia da semana. Para alívio das suas tenções.

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Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. [Fernando Pessoa]

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