Quando na ignorância do arco-íris estuda a simpatia das cores, sente-se assim. Branca e preta. Preta e branca. Não se importa com a imperfeição da estrada. Nem com a geometria poeirenta do empedrado. E nota que as pedras que ali faltam são precisas à ladeira.
Quando, nas pedras da calçada, ele tropeça no seu olhar, ela roga-lhe que feche a porta. As janelas. Que cubra o telhado de gélido frio e que passe paralelamente à beira do pavimento. Ou então, erga um muro. Mas do lado de lá. Antes que elas comecem a afundar-se…
Quando ela olha as pedras da calçada, vê o verde da pedraria e escorrega pelo corte irregular do calcário. A preto e branco.
As árvores atravessam a inclemência do Inverno nuas e desgrenhadas. Desprezadas, choram lágrimas transparentes.
As árvores revigoram-se em ventos de silêncio. Apesar do frio, renovam-se na vida calada que carregam no ventre. Abraçam-se aos sonhos na perseverança de serem flor.
Silfo desposa as árvores desnudadas e deslumbra-as com pérolas de chuva. Elas descalçam-se no solo húmido e entregam-se num imenso desejo vital. Porque o amor exige a alma despida. Ele, esgotado, deixa-as ser. No gozo do infinito.
As árvores reaparecem sempre com um sorriso nas raízes. Com gestos de força, acenos de estabilidade e rebentos de paciência.
As árvores fingem-se mortas, para que possam cumprir o milagre da ressurreição. Outra vez. Mais uma vez. Sempre. Eu admiro-lhes a tenacidade. Um dia, também ressurgirei no infinitivo do porvir. Aquietada pela paz que reinventarei.
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]