No céu, as nuvens acontecem debruadas com orlas de azul… e recolhem, no ninho do seu afecto, sonhos atirados para o ar. No mar, as mulheres espalham rezas avivadas com marés de esperança … e serenam, no colo da sua fé, vendavais da sua pele molhada…
Em terra, eu adormeço na amálgama do mar e do céu … e choro por não lhes conseguir tocar… na perplexidade de tanto marear.
O Sol nasce com tanto brilho no seu esplendor! Solta-se do céu, esbanja regaços de luz... ofusca o meu saber… Enquanto resplendece no delírio da evidência, eu ardo na teimosia de ter razão… tal como o céu, a felicidade é uma utopia.
Ao Sol, embriago-me com uma taça de sonhos… E bebo muito. Insano desconcerto… Até sorvo o equívoco. Até a taça ficar vazia… Até ser noite…Até ser dia...
Com Sol, a verdade desamarra-se da ilusão… Então, na mais real e clara realidade, sobra-me tempo para ser feliz…
Acordei destapada pelo Sol que entrara afoitamente pela janela. Que descuido, o meu! Assim, como se eu fora raios que ele desbaratara em criança… Não era! Nem sou!
O meu corpo desejou chuva. Ao menos, ela chorava a meu lado. Molhávamos as mágoas. Emergíamos das dores. Do alto. No aprumo de ser.
Subitamente, lembrei-me que não posso apressá-la. Ela cai quando quer cair. E tombar. Na genialidade de acontecer. Escorregar. Alcoolizado desejo de molhar. Tantos rostos! Muitos! Copiosamente…
E eu cheguei a acreditar que ela apenas molhava o meu… Só que nunca aconteceu. Cheguei a pensar que estava apaixonada, mas descobri que era apenas desejo.É que eu sinto pela chuva a mesma coisa que sinto pelo Sol...
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]