A expectativa do voo [precioso talento intimamente dependente das penas]
[fotografia de Jorge Soares]
Já não é tempo de cerejas. O sol cai sossegadamente no colo da colina e os homens abdicam das cestas. Calam-se as cantigas dos dedos e desarrumam-se as mãos que não acertam com a eficácia da mudança. É um retrocesso que se estende pelo vale. Apenas uma brisa abafada segue o mesmo caminho. Sem atalhos. Pelo trilho das pedras. Para recuperar o sentido do compromisso, os pássaros empoleiram-se nas árvores despidas de frutos. E olham numa incessante busca de equilíbrio.
E este pássaro que aqui chegou conserva o ritual e recusa-se a construir o ninho no chão. Crava o olhar no infinito na ilusória busca de locais com abundância de alimentos. No cimo da árvore, compõe o voo para ir mais longe.
Já não há cerejas no vale e eu não sei onde ouvir os pássaros. Fazem-me faltas as perfeitas melodias sem hora marcada. A beleza das penas. Os silêncios alegres. Mas sei que vou continuar a ouvi-los. Porque “os pássaros que, ao pousarem um instante sobre ramos muito leves, sentem-nos ceder, mas cantam! Eles sabem que possuem asas.”