la femme du trésorier, Wassili Tropinin
O Sol nasce com tanto brilho no seu esplendor! Solta-se do céu, esbanja regaços de luz... ofusca o meu saber… Enquanto resplendece no delírio da evidência, eu ardo na teimosia de ter razão… tal como o céu, a felicidade é uma utopia.
Ao Sol, embriago-me com uma taça de sonhos… E bebo muito. Insano desconcerto… Até sorvo o equívoco. Até a taça ficar vazia… Até ser noite…Até ser dia...
Com Sol, a verdade desamarra-se da ilusão… Então, na mais real e clara realidade, sobra-me tempo para ser feliz…
Acordei destapada pelo Sol que entrara afoitamente pela janela. Que descuido, o meu! Assim, como se eu fora raios que ele desbaratara em criança… Não era! Nem sou!
O meu corpo desejou chuva. Ao menos, ela chorava a meu lado. Molhávamos as mágoas. Emergíamos das dores. Do alto. No aprumo de ser.
Subitamente, lembrei-me que não posso apressá-la. Ela cai quando quer cair. E tombar. Na genialidade de acontecer. Escorregar. Alcoolizado desejo de molhar. Tantos rostos! Muitos! Copiosamente…
E eu cheguei a acreditar que ela apenas molhava o meu… Só que nunca aconteceu. Cheguei a pensar que estava apaixonada, mas descobri que era apenas desejo. É que eu sinto pela chuva a mesma coisa que sinto pelo Sol...
[fotografia de Ricardo Silva]
Nos dias em que nada faço, vejo aquilo que os outros criam. Então, no silêncio da minha letargia, ponho-me a olhar… E uma grande incerteza enfraquece o meu pensar… Não sei se eles sabem o que estão a fazer… ou se é tosca a janela por onde estou a espreitar!
(imagem da internet)
Acordou cedo. Os olhos espreguiçaram-se vagarosamente… Amanheceram e espreitaram o reflexo da luz que entrava pela janela ainda presa a ferrolhos nocturnos. Vaguearam pelo espaço que distava entre o seu corpo e os passos dos sonhos que a acordaram. Serenou-os, deitou-os aconchegadamente na almofada de adormecer ilusões emolduradas. Da cor da claridade. Com cheiro a água fresca.
o acto de alterar
de filha a mãe e ao contrário
A Maria era uma menina. Um daqueles seres que transportava o mar nos olhos e a paz no coração. O corpo servia-lhe para saltar de pedrinha em pedrinha, depois de mergulhar nas águas do ribeiro da sua infância.
Naquele dia, Maria acordara cedo. A manhã acontecera no chilreio dos pardais que, sorrateiramente, se desagalhavam dos beirais. Há tanto que a menina a esperava nas suas redacções primaveris! Apesar da ortografia, a Primavera chegou na alvura da manhã.
Maria levantou-se apressadamente. Tomou o pequeno-almoço despachadamente. E preparou-se para sair sorrateiramente… Não queria acordar os pais. Não por eles, mas por ela. Mal levantou os olhos da mesa, gritou. Tanta foi a perturbação que se ouviu no rio. À sua frente duas crianças disputavam o lugar à janela... empurravam-se… batiam-se… mordiam palavras encarniçadas… Maria ordenou-lhes que se calassem. Mostrou-lhes a imbecilidade do comportamento. Ameaçou-as com o chinelo. Com o quarto sem televisão. E estranhou-se… mais se desconheceu no exacto instante em que as desassossegadas criaturas lhe obedeceram… No vidro da cristaleira, viu-se mulher. Por isso, tornou a bradar. Uivou uma alcateia desvairada, na melhor imitação que alguém já conhecera. Embasbacada. Estarrecida. Aturdida. Beliscou-se, flagelou-se, lavou a cara, esfregou os olhos, saltou, pisou-se, engasgou-se com palavras do recreio da escola...Tinha-se, de facto, transfigurado numa mãe-mulher. Com dois filhos para cuidar, exactamente aqueles que a amamentaram. E não sabia a explicar a transformação!
Maria entristeceu repentinamente. Acabara de prometer a si própria que seria eternamente criança… abraçar a vida com linhas rectas de abraços.Tudo mudara. E agora? Maria não encontrava respostas, até porque as deixou de procurar. Não fosse a morte encontrar, por tanto a desejar…
Maria estava aterrorizada e tão triste, a triste. Adulta? Assim, de um momento para o outro? Como foi possível? Não ouviu a resposta. Morreu de desilusão. Houve quem garantisse que não. E falava-se numa enorme perda de ilusão.
[imagem da internet]
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Sombras da Memória (Carlos Barão Campos)
Os livros que ninguém quis dar a ler