roubar
não é preciso tanto directo
polícias e ladrões
A sociedade actual tem culpa. Tem responsabilidades na peçonha que liberta. E não encontra tratamento para os males que se vão acumulando. E as coisas ganham asas. Correm o mundo multiplicadas por cem, por mil… Porque há a televisão. E a Internet dá uma ajuda. O que acontece ali sabe-se logo aqui. Em tempo real. Para isso é que servem os directos e muitos enviados especiais. Realidade impensável há uns tempos atrás. E lá que a Branca de Neve sonhou com o seu real casamento transmitido em directo, lá isso sonhou. Um sapatinho admirável. Outros tempos.
Agora tudo é mais transparente. A visibilidade apregoa-se e pratica-se sem limites. Por alguns e às vezes. As audiências socorrem-se de estratégias devoradoras de números. E o satélite tem tempo controlado. E os meios técnicos de transmissão em directo são desafios tecnológicos. Depois, seguramente por insatisfação, escrevem livros. Fazem filmes e suportam conversas no café. E os especialistas são excelentes comunicadores. Falam a toda a hora em todos os canais públicos da televisão. De preferência no horário nobre. Dizem que assim as pessoas, que não são especialistas, entendem melhor. Em Portugal há muitos especialistas. E, como tudo nesta vida, o que é demais é um exagero. Um massacre. A destruição da vontade das pessoas, já que não há alternativa. Haver há. Basta um suave toque numa tecla para acabar com tantos excessos. Mas chateia desligar uma televisão em estado de choque. É uma invasão descarada. E é nestes momentos que mais canais fazem todo o sentido. Os do cabo. Tão amigos que são os animais. E as viagens. E a História. E os filmes. E a música. E a ciência. Tudo alternativas livres de ameaças bélicas. Mortes e muito sangue. As que aparecem são ficção.
Vem isto a propósito do assalto ao BES. Até podiam ser portugueses. Ou checos. Ou ingleses. Ou chineses. Esses não que estão ocupados com os jogos olímpicos. Estão? O desespero não tem nacionalidade. Cenas repetidas até à exaustão. Os pormenores. A cronologia. A vida privada dos intervenientes. Os directos. E os especialistas, evidentemente. Também vieram os psicólogos. Tácticas e motivações. Efeitos aqui e lá. Testemunhos. A perícia e o armamento. O telhado e a janela. O instante. A hierarquia e o treino. O sangue frio. A aptidão dos homens. O clímax de um romance policial na cidade. Como nada mais estivesse a acontecer. E a cidade estivesse em paz consigo mesma. E o país também.
Portugal tornou-se refém da televisão. Portugal viu a sua protecção em directo e está tranquilo. Conhece quem cuida de si e estende o acto ao país inteiro. É, a partir de agora, uma terra sossegada. Com sonos seguros. Falar de insegurança e criminalidade será pleonástico. Ecos exagerados quando se exige algum silêncio. Para polícias e assaltos foi tempo a mais. Há privacidades a manter.
Na verdade, não me senti mais segura com o que vi. A polícia vai continuar a fazer o que sempre fez. Ou não faz. E os outros também. Sem preocupações televisivas. A sociedade é perita em criar males e propagandear as soluções. E é assim que nos divertimos a ver televisão. Em directo e em excesso. O zapping nestes momentos alivia. Ou premir o botão. Ou desligar a ficha e ler. Capitães da Areia de Jorge Amado é um livro admirável.