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ponto de admiração

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21
Mai08

males e doenças com matemática

Paola

 

Muito se tem falado de doenças. Nunca, como hoje, se escalpelizaram tantos males. Exorcizam-se desgraças. Aplaudem-se curas. Tantas que eu nem as conheço, excepto duas que as sei de cor. São coisas ruins na vida da gente. Mesmo assim, continuamos a sobreviver e a permanecer mais tempo no lado de cá. São enfermidades plurais, com prefixos e sufixos danados que chegam do grego e do latim. Enfim, achaques terminados, por exemplo, em ia. Ai, se eu ia daqui para fora. Ia, ia! Mas não vou, não me deixam. Ainda bem, que romaria acaba assim e só faz bem à saúde.

 

 

 

No meu grandioso dia não-lectivo, vi-me nomeada numa praga nacional – as provas de aferição. Há quem acredite na cura. Eu ainda não dei por nada. Certamente resultado da minha grande distracia. Não há mal que não me chegue!

 

Fui, como dizia, nomeada aplicadora do nada. Juro que procurei entradas em vários dicionários, desta língua que eu amo, e as saídas foram estas:

 

adaptar; sobrepor; adequar; destinar; utilizar; empregar a atenção; pôr em prática; infligir, impor;

 

 

Ou seja, de aplicadora fiz muito pouco. Com muito boa vontade, até posso considerar que “pôr em prática” se adequa à coisa. Só aparentemente. Já estava tudo consumado. Eles concluíram tudo. É fácil de entender que eu não fiz nada. Ao aplicador foi pedido que lesse, eu li. Mas ler não é aplicar… Ao aplicador foi pedido que distribuísse enunciados pelos alunos, eu distribuí. Convenhamos que não é o mesmo que aplicar. Ao aplicador foi exigido que escrevesse no quadro, que o transformasse em relógio analógico, eu escrevi. Também não é aplicar.

 

 

Infligir. Aí está o que melhor se adapta. Infligi silêncios. Impus regras que me mandaram impor. Vigiei. Controlei. Testemunhei o desespero de uma aluna. Coitada da menina! Lá vem a história das doenças.

 

 

A jovem padece de um mal comum no reino de Portugal. Há pessoas que, ao longo do tempo, conseguem restabelecer-se. Completamente. Com êxitos assinaláveis. Outras têm resultados menos conseguidos, por vezes fatal.

 

 

Aquela menina, sentada na segunda mesa da fila do meio, chegou à porta da sala a disfarçar o seu sofrimento. Depois, a doença manifestou-se, afectando-a gravemente. Não percebi bem do que se tratava. É que esta coisa das enfermidades se chamarem por nomes estrangeiros, ou quase, complica-me a existência. Então não é que a rapariga padece de linguasia? Eu explico. Não tem o português como língua materna, nasceu a falar outro idioma. Logo, é linguasia, o nome da doença, não? Coitada. Nem sabia o que era uma quadrícula. Severo o seu estado. Como poderia responder a “Quem tem razão?” se não percebia “razão”? É um caso grave, a exigir internamento imediato. É estrangeira, disse alguém num tom de enorme benevolência e tolerância. A garota sofre de estrangeiria. Probrezita. Tão novinha.

 

 

A verdade é que a moça não tem culpa de nada. Nasceu ucraniana e depois? Tinha que nascer em Portugal para realizar a prova de aferição? É claro que o país não é responsável pela sua vinda, mas deixou-a entrar. E ela entrou! Ela quis matricular-se numa escola e o país deixou. Ela quer aprender português, mas o país ainda não lho ensinou. Por falta de tempo, acredito. A mesma nação que a vai avaliar por não ter aprendido. É doença grave, seguramente.

 

 

Como é que este país de provas de aferição, e outras avaliações, vai aferir os conhecimentos matemáticos dela? E os de Língua Portuguesa? Mais um caso de insucesso a fazer baixar as estatísticas. Logo a matemática! Outra doença, a matematicasia, que se multiplica por aí. E desta, há muito que oiço falar. E nunca mais se descobre a cura!

 

 

Diz quem percebe destas coisas que foi um "teste de uma simplicidade infantil, com muito pouco a ver com a Matemática". Se assim for, e eu até acredito, esta doença terrível tem os dias contados. Fico feliz por saber que se está a caminhar para erradicar este mal. A média nacional vai prová-lo. O país vai rejubilar de contentamento.

 

É tão fácil знаходити, вiдшукати, não é?

 


(imagem de professorasdesesperadas.blogspot.)

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Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. [Fernando Pessoa]

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