navegar [entre o passado e o presente]
fotografia de Luís Costa
Achei um búzio que andava a chorar. E o búzio de tanto chorar, logo se pôs a cantar. E por tanto cantarolar, começou a consentir. Um canto que vinha do longe. Que vinha do mar.
Peguei no búzio que parara de chorar. E que agora estava a olhar. E de tanto olhar, afogou o rumor que remava no mar.
Embalei o búzio deserto. Que só queria cantar. Pedi-lhe que se ocultasse para o poder adivinhar. Contei-lhe uma história só para o calar. Que dali, eu via o mar. Que dali, percebia o silêncio dos sulcos das ondas. E que começara a desconfiar se flutuariam búzios no mar… Que dali, eu cobiçava o mar e o melhor era correr e até mergulhar. Acrescentei, apenas para que se deixasse, que dali, eu sonhava o mar. Que me deslumbrava com as paisagens a flutuar… para cá, para lá… e que via rostos ateados nas águas a errar… Persisti na história. Que dali, eu afundava o mar.
E o búzio que andava a chorar. Que já estava a cantar. E que se calou para a ouvir uma história de marear, logo me falou da inutilidade da proa. Tornei a recordar-lhe que na cama onde me deitava, havia sonhos a que não assistira. Que não entendia a razão de tamanha proibição.
E o búzio que eu encontrei a chorar. Que já só me estava a olhar. Acariciou-me a sombra que me velava rosto. Correu pelo calor da areia. Tropeçou. Ficou. Então, amargas lágrimas aconteceram no mar… Fez-me um último pedido. Implorou que ao meu ouvido chegasse o azul do rio que era aquele. Que não chorasse no mar.
E o búzio que eu encontrei a chorar. O búzio. O búzio naufragou. Sem me explicar por que tinha dentro a voz do mar… noites de verão e muitas conchas com vozes. Que nas minhas mãos se estendem na consonância rosada da sua pele .
Eu sei… Fico por aqui. Nisto. No silêncio mudo do vento com paladar a maresia. Aportei. Amei. Lambendo os frutos do mar. Lancei o búzio. Atirei os búzios. Na analepse das grandes marés. Na ignorância de prolepses escusadas… a escutar o futuro.