… e a menina sentou-se ali. Na desventura que lhe encarquilhava o olhar. Que lhe chicoteava o sono. Mas estava na reverência do dever.
… e a menina escreveu que o pior dia da sua vida [que vida tão pequenina] fora no dia em que começara a crescer. Só porque lhe acrescentaram o entender.
… e a menina amaldiçoava o dia. Tanto! Que tanto lhe parecia tão pouco. E continuou a escrever. Uma história de assustar. Com ébrias figuras. Com assaltos ao dormir. Com cardos a germinar pelas assustadas paredes do quarto. De noite… até ser dia de começar a escrever… sobre uma abelha-flor que lhe aferroava o crescer.
... e a menina ainda não sabia dizer que uma rosa era uma flor. Que das alturas descia. Sem espinhos. Com pétalas da cor do sono. Dos sonhos. De menina...
Aos domingos, dava passeios pela avenida principal. Alindava-se para os ver passar, invejando-lhes a agilidade. Até a ganância do primeiro beijo. Beijo doce. Salgado. Perfumado com odores de laranja. A turbulência das mãos na brandura do olhar. Mãos de seda que buscavam o Sol, nas vísceras do tempo. Na impermanência do querer.
Do lado de cima, tudo lhe parecia muito do mesmo. Na monotonia dos gestos. Na incontinência dos compromissos. Nos zunidos distantes da música. Do lado das raízes, nada se rebanhava na semelhança repetida aos domingos à tarde, na calçada. Tão diferente do lado de lá!
Já conhecia os seus passeios. Em tempos, contara-lhes as pedras, distinguindo as brancas das pretas. Mas havia as cinzentas. Turvas. Turbulentas e indecentemente indecisas. Embriagadas. Dessas, nunca entendera a cor.
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]