Outra vez [na maré do pescador]
a traineira desbotada. o mar satisfeito na desigualdade do azul. o sabor da maresia. um abraço consistente. a dureza da sorte das marés. as mãos amansadas pelas cicatrizes. um mergulho danado. o suor que rega a agilidade do corpo. as lágrimas despejadas na areia. o colo do refúgio. um porto ancorado. o grito da gaivota. a noite escondida. a lua clandestina que cuida do espaço. o mar sem idade. o sol que nasce na barra. o cais da saudade. o retorno ao leme de uma imensidade amainada. a alcofa de peixe no chão. a riqueza na mesa. o medo quebrado. uma concha de pão com sabor a espuma que acaba na areia. o prazer do sal na boca do pescador. um emaranhado de malhas remendadas pela paciência dos dedos. na mesa a traineira corta a espuma da maré. a gargalhada imperial. e na minha língua a sardinha faz-se lenda. numa ancoragem de emoções.