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ponto de admiração

ponto de admiração

19
Jan09

contemplar

Paola

de João Palmela 

 

 

 

 
Servem os pontos de exclamação para discriminar enunciados de entoação admirativa. Empregam-se, com frequência, em parceria com interjeições, exclamações, apóstrofes e imperativos. Devido ao seu grande carrego emotivo, devem ser consumidos com sobriedade. Nunca por jornalistas!
Têm enormes beneficios terapêuticos. No entanto, pesa-lhes o facto de serem excessivamente passionais. Conseguem sempre admirar-se, mesmo que de episódio ingénuo e vazio se trate. Revelam tendência para provocar autoritarismos geradores de algum mal-estar. 
 
Sinal de alegria, exaltação e alguma comemoração.    Sinal de dor, sofrimento e muita raiva.  Sinal de paixão e admiração pela vida. Sinal de surpresa e afeição. Sinal mandão!
 
 
Por isto
             Por aquilo
                        Por nada
                                  Por tudo! Apenas porque sou!
 
Admiro exageradamente o ponto de admiração. Não pretendo expulsar o menor vestígio de sentimento do meu olhar. Porque sempre que desenho um ponto de admiração, reescrevo-me num amplo ponto de encontro. Quando, um dia, não mais o transportar é porque me tolhi na incapacidade de me assustar. Calei a revolta, peei a emoção.  Eu não sabia ser jornalista!

 

17
Jan09

tramar

Paola

 imagem da internet

 

Sei de um saquinho. Linhas combinadas em movimentos ritmados e decididos. Calmos à tarde. Ao serão é que não. Novelos de sonhos que se desenlaçavam sorrindo. Enredos de artista desenhados por uma agulha adequada. E naquele dedilhar forjavam-se paisagens abertas. Futuras e presentes. Passados perfeitos e imperfeitos num templo de profetas. Condicionais muito hipotéticos. E tantos conjuntivos acarinhados! Sei de um saquinho de renda branca que antes de ser saco era apenas novelos de linha número doze. Agora geme na trama que é.  Hoje, quando digo saco, vejo uma paisagem que se amplia sem começo, nem fim. Sobre um fundo branco, avisto uma multidão compacta de palavras. Amontoam-se numa ordem esbanjada, hesitando entre a subordinação a regras impostas e o bulício que contêm. Quase todas me são estranhas. Às minhas, estendo a mão. Abraço-as com gratidão e elas emaranham-se em mim.  

 
Sei de um saquinho de renda branca tecida com dedos de deusa em laços de seda. Apinhado de amálgamas ponteadas de carinho. Com aglutinações de ternura e justaposições de amor-perfeito. Sem abreviaturas apertadas de nomes que a língua tem. Juncado por vocábulos animados numa parassíntese celestial. Antes e depois, infelizmente. E de todas as palavras primitivas que o saco encerra, são as mãos que teceram o saquinho de renda branca que eu peço. Mas eu sou acréscimo simultâneo de prefixos e sufixos. Sou recorte na união de dois radicais. Sou composição justaposta no guarda-chuva que na segunda-feira me abrigou da perturbação. Sou sigla num saco que desmaia nas letras que pronuncia. Sou acrónimo atormentado por arcaísmos determinados.
 
Sei de um saquinho de renda branca que se fecha sempre que uma justaposição de ideias imagina fugir. Arroz-doce… arroz-doce… arroz-doce… na mais perfeita composição. Com a mais primitiva canela. Sei de um saquinho de renda branca que esconde paisagens da floresta dos medos.
 
02
Out08

petrificar

Paola

de Paola, sentimentos das pedras

 

Uma pedra é uma pedra. Um corpo duro e compacto. Basta olhar, professora.

 

E ver que é lápide de sepulcro onde se regista o nome dos mortos. E quadro de escola onde se escrevem palavras. E frases. Esclarecimentos de erros ortográficos e sintácticos. Sínteses e sumários de dores que calcetam o corpo. Alegrias e fantasias de um granizo que tomba desaustinado. Peças deste tabuleiro em que se joga uma vida que nos acolhe com sete pedras na mão. Nem sempre. Mas também. Aprendi que uma pedra não é só uma pedra. Estúpida e silenciosa. Dura e fria. Porque ninguém pode ser, sempre, tão duro como elas. Porque as pedras têm delicadezas que a gente não sente. Têm? Eles disseram que sim. E contaram-me tantas…

 

E ver lágrimas nas pedras que, continuadamente, são apedrejadas com restos e lixos. Queixume nas que, reiteradamente, sofrem as asperezas de pés, apressados e distraídos, que só sabem pisar. E repisar. Lamentos nas outras transformadas em armas de arremesso em mãos imprudentes. Prantos enegrecidos gerados por mortes que originam. A que assistem numa estrada qualquer. Tristes, as pedras…

 

E ver regozijos nas pedras que riem a fortuna da amizade. Unidas e solidárias numa calçada daí. Júbilos vaidosos brotam sempre que, das mãos do artista, sai arte. A pedra é esculturalmente trabalhada. E a beleza que ela tem!

 

E ver a História que elas suportam. Percursos decididos, progressos testemunhadas, descobertas inesperadas, certezas desconcertantes. São as pedras a falar, professora! Pois são! E histórias, contam? Siiiiiiiiiiiiiiim! E segredos também. Elas ouvem e não contam a ninguém. Guardam tesouros…

 

E ver a fresca alegria das pedras que se deitam para o rio passar. Leitos felizes e lavados. Lençóis distintos bordados a ponto-de-água.

 

E ver as pedras a exultar com a felicidade de uma criança. Porque suas confidentes. Parceiras na cumplicidade de narrativas engendradas. E são casinhas e animais. Rebuçados e gomas. Cadeiras e sofás. E o pai mais a mãe. E amigos de fingir. E as pedras dizem que sim, no enorme contentamento de poderem brincar. Às vezes, ensinam a contar. E a dialogar monólogos falseados. Depois, devolvem ecos...

 

E ver que a melhor qualidade das pedras é a modéstia. Não se gabam de façanhas tamanhas. Não se queixam. Não incriminam. Não desmoralizam. Não desencaminham. Não desmoralizam. Não acusam. Silenciam-se na cumplicidade.

 

E atire a primeira pedra quem nunca tropeçou num pedregulho falante e afectuoso. Ou ordinário, que também os há.

 

Apenas lhes pedi para olhar, ver, escutar e sentir! Possivelmente pedi demais... Quem sabe!

 

 

 

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Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. [Fernando Pessoa]

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