No céu, as nuvens acontecem debruadas com orlas de azul… e recolhem, no ninho do seu afecto, sonhos atirados para o ar. No mar, as mulheres espalham rezas avivadas com marés de esperança … e serenam, no colo da sua fé, vendavais da sua pele molhada…
Em terra, eu adormeço na amálgama do mar e do céu … e choro por não lhes conseguir tocar… na perplexidade de tanto marear.
Dedianem sempre me apetecem palavras. Apenas quero ver silêncios aparatosos que me acordem. A noite aperfeiçoa os esboços que desenho. Transfigura-os com luzes e brilhos... De noitenão desejo o dia. Nem o Sol. De noite, é a linguagem do silêncio que repara aquilo que o dia estragou.
Quando todos se calam, aconteço nos braços de Morfeu. Somos corpos abraçados ao nada num desvario afrodisíaco, até de madrugada. Alheios a Hipnos que adormece tragado pelo ciúme num palácio onde o Sol nunca entrou. Com Baco ébrio de deslumbramento a espreitar a paixão.
Mas sempre que não me apetecem palavras, os sonhos extinguem-seno impedimento de falar.
Era uma vez um menino muito pobre que vivia numa aldeia tão pobre quanto ele. Até o riacho, onde chapinhava no Verão, morria à sede com água pelo tornozelo. E ambos agonizavam nas tormentas que calavam. E choravam a sorte, empoleirados numa pedra cinzenta.
O menino tiritava de frio, ao mesmo tempo que arremessava pedrinhas na esperança de ouvir onomatopeias cantantes. Foram gestos vãos. Esforços falhados para amornar as mãos. E de repente, uma pedrita muito afável interpelou o rapaz:
- Três desejos, apenas três… Queres?
- Tu? Disfarçada de génio? E o Aladino?
- Se não queres, não queiras! Depois, não grites…
- Concedes-me três desejos, é?
- Irra! Não disse já que sim?
- Uma casa! Tens?
- Certo, meu petiz.
- Dinheiro? Preciso de algum…
- É normal… E qual é o teu último desejo?
Fez-se um silêncio tão grande que nem as rãs se atreviam a coaxar…
- Uma família! Não precisa de ser muito numerosa… apenas que chegue para o ano inteiro. Mas tem que ter um irmão!
- Bem pensado, sim senhor! Tenho que me ir embora… Gostei do tempinho que estive contigo, rapaz.
E desapareceu num silêncio tão excessivo que se ouviu a pedra a rolar. E o menino pensou que tinha sido engano… que nem acreditava em milagres... mas que podia desejar.
A utopia é inatingível, se fosse certeza não era utopia! Mas não deixa de ser o princípio da esperança...
O verbo foi sugestão do Perfume, a história foi escrita pelo D.Q. , um menino também... Só a aproveitei!
Se eu pudesse, descobria um caminho só para mim. Um trilho para a ilha deserta que há ali. A ninguém diria o caminho. Depois, construiria um castelo para ouvir o mar. Era um segredo que de todos calaria, porque o silêncio é escasso por aqui. Apenas para mim e muito belo.
À sua volta estariam plantas, flores e árvores com ninhos de alegria. A ninguém diria. Acessos sinuosos, ruas labirínticas, carreiros muito estreitos, silêncios canoros bastantes para os amantes. E nós faríamos amor todas as manhãs. Como o mar e a areia. E o Sol. Vendava-te os olhos, enrolava-te na minha paixão, dava-te a mão... O caminho? Não to diria, não!
E os outros, se assim entendessem, apregoariam a minha morte. O meu naufrágio. E eu, ávida e esfomeada, viveria a êxtase da beleza. De uma terra que é minha. De uma serra que é mãe.
Admiráveis, os sonhos. Sonhar é bom. Enche a cabeça de memórias e de vontades. Desejos que ficam no papel. Que dão volta ao mundo. E o Sol ilumina-os. Desvendam-nos por terras e mares. Entre o possível e o impossível, nasce o entusiasmo. E concluimos que somos capazes de fazer um desenho... E a vida é melhor. É que, às vezes, quando sonhamos muito as coisas acontecem... e somos crianças no baloiço a baloiçar. E temos o colo da mãe para dormitar. E do pai para embalar. Depois, chega a preguiça, pegamos nas asas e voamos. E voltamos sempre ali.
E voltei como sempre. E comi arroz-doce com canela e conversei muito. Agosto está de férias. Mas, mesmo num dia soalheiro e espirituoso sabe sempre bem misturar conversas. Assim, há tempo para todas. E isto e aquilo. E mais o outro e a outra. Hoje e ontem. Agrados e desagrados. E gargalhadas de chorar a rir. Sempre!
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]