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ponto de admiração

ponto de admiração

09
Mai08

ao café da manhã - pelo país

Paola

h Não desistimos! 

 

Entrei, sentei-me e pedi um café. Não queria absolutamente mais nada. Comigo, à mesa, um  sono que não se extinguia. A má disposição manifestava-se no meu rosto, nos meus gestos, nos meus silêncios. Que me importava se a filha da dona do café tinha iniciado o seu estágio; se o carro da vizinha estava mal estacionado; se a outra ia passar o fim-de-semana à terra ou se o Benfica  jogava com o Vitória de Setúbal ou se seria o último jogo do Rui Costa. O meu sono impedia qualquer tentativa de sociabilização. Nem pensar. Eu precisava urgentemente de um café. Sem açúcar, como habitualmente. Prescindia da conversa da treta.

 

Exigia-se uma conversa afável, que agradasse aos meus interlocutores. O silêncio seria incómodo. Havia que jogar o “pagas tu, pago eu”. Igualmente serviria o "amanhã sou eu a pagar". Impunha-se uma boa dose de perseverança para aguardar que a senhora empregada acabasse o rol das moléstias da sogra. Não tinha defesa. Inábil para engendrar a melhor estratégia. Ainda não tinha tomado café...

 

Choquei de frente com a minha matinal angústia. Entrei no café com cara de poucos amigos, o que nem é de todo mentira.

 

Inabalável, no meu objectivo. Entrar, sentar, tomar um café, sair. Coloquei as moedas sobre a mesa de modao a não exigirem troco. Em silêncio! Nada de amena cavaqueira, de gargalhadas circunstanciais.

 

Ao balcão serviam-se diálogos, exprimiam-se emoções. De pergunta em pergunta, chegavam às respostas. Às suas.  Era cedo de mais e eu tinha sono. Mas elas procuravam chegar à prova da existência de verdades absolutas, numa tortura verbal muito cartesiana. E eu sorvia o café na certeza de que tinha sono logo existia. 

 

E elas não se calavam. O governo fechou maternidades. O governo encerrou centros de saúde. O governo cerrou hospitais. A ministra fecha escolas? A escola? E o meu filho? Pois, e a minha? Não cabem todos. São muitos, alunos, professores... A ministra trata-os com se fossem gado. Os miúdos não têm condições. E a conversa seguia animada. O jogo jogava-se entre a pergunta e a resposta. De vez em quando o exemplo.

 

Ouvia. A conversa passou a ter algum interesse para mim. Afinal, já bebera o café.

 

Agora passam todos? De que serve estudar se ninguém reprova? Coitado do meu filho! Sempre bom aluno... Que injustiça! Todos passam. Estudar para quê?

 

Não concorda, professora? Era comigo! Senti o chão a tremer! Um desnivelamento, um mosaico partido pela certa. Uns segundos em que deixei de saber se era pequena ou grande. Um momento em que errado e certo são sinónimos. Um instante raro em que acontece o eclipse da razão, pelo instinto... Tinha sido descoberta. Sorri... Levantei-me, dirigi-me à porta. Voltei a cabeça,  olhei para elas:

 

 - O seu filho consegue. O país é que não sei...

 

Não esperei pela resposta. Tinha sono. O melhor era fechar a porta... Ningém fecha a deles?

 

(imagem de Concurseiros)

09
Mai08

ao pequeno-almoço - com muito sono

Paola

c  Acordei com vontade de dormir. Quando assim acontece, o ciclo não foi cumprido. O normal repouso que a noite me propiciou foi insuficiente. Para o corpo, para a mente. Não sonhei, não me lembro. Deveria lembrar? Mas estou com sono. O meu corpo espreguiça-se com vontade de dormir.

 

Tenho fome! Tenho sono! Ou durmo ou como. A opção é árdua quando se tem sono. Nada flui... Um momento de caos matutino que espero que passe.

 

Tenho fome! Sento-me  à mesa da cozinha, na esperança que um milagre aconteça e que a minha penúria alimentar seja nutrida de bandeja. Que ilusão a minha! Que tortura. Estou sozinha. Não acredito em milagres.

 

Lembrei-me de Prévert...

 

                    Déjeuner du matin

 

Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec la petite cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a reposé la tasse
Sans me parler
Il a allumé
Une cigarette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis les cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s'est levé
Il a mis
Son chapeau sur sa tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu'il pleuvait
Et il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
Et moi j'ai pris
Ma tête dans ma main
Et j'ai pleuré.


                             Jacques Prévert

 

Não chorei. Tomei o pequeno-almoço. Admirável.

 

Dizia-me a minha mãe que eu não podia ir para a escola sem comer, que não aprendia... Explicava-me que ficaria desatenta, cansada, irritada... e que isso não era bom. Ela queria que eu aprendesse, na escola. 

 

Comer, comi. O que eu não tenho a certeza é se melhorei... Ainda me falta o café.

 

Até logo, vou para a escola!

 

(Imagem roubada ao Mau Feitio I)

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Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. [Fernando Pessoa]

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