ter
de Jorge Soares, libelinha
Porque ter e não ter é mesmo a questão. Ou ter até ver. Ou não ter e até ter. E que tenho eu? Não tenho voz para falar. Nem mesmo murmurar. Nem vontade para esbracejar. Apenas uma lágrima se lançou da janela. Sem saber onde fica o mar. Sem ter jeito para tocar viola. Porque não tem intenção de cantar. Só de chorar. E quando ter se conjuga sempre no presente e repentinamente já só tem condicional? Sem futuro. E com um pretérito muito imperfeito? Ter e perder, ai tanto que dói. E é neste instante que as letras se volatilizam e deixam as palavras nuas. E as frases despedaçam-se em interjeições que são frases excessivamente impressionáveis. E muitas admirações. E acentos. Graves. Também agudos. E tem pontos finais.
- Quem lá ia muitas vezes era o seu paizinho que Deus tem…
Não sei se tem! Se Deus tem o meu pai é porque já o levou. Se o pai é meu não o deveria ter eu? Não tenho notícia que o possessivo não especifique a posse. A sintaxe tem regras. O sujeito sou eu. Nem concordo que Ele mo tenha surripiado. Nem Lhe fica bem tamanha ousadia. Os pais são dos filhos, acabou-se a discussão. E os filhos dos pais. Mas não entendo a razão por que se roubam amores. Nem o regozijo a mim. Ter, não tenho. E ele tem? Tem!