Gostava de me empenhar e poder fazer o que agosto ainda não deixou. Andar para trás para calar o relógio. Atirá-lo ao chão e dizer-lhe que bastava de ladrões do tempo. Saborear o perfume da terra e lamber o mar. Colher um ramo rubro de papoilas e enviá-lo para o céu. Tourear um touro e cair na arena sobre o bruaá silencioso das bocas desconhecidas que poisavam nas bancadas. Calar o ruido dos ruídos de tantas vozes difusas.
Apetecia-me apanhar sol na proa da traineira e ver o sol a cair e não o poder ajudar. Saltar para o rio e molhar-me de muito. Chegar à meta sem querer dizer o lugar. E falar para no meio das palavras chorar o silêncio num eloquente e enorme discurso. Poder fechar aqueles livros. Com o mesmo desejo com que um dia os folheei. Erguer-me na proa da mesma traineira azul e morrer descansadamente. Na elegância do azulado do rio.
Queria, agora que agosto já não deixa, desviar-me. Sem que me molestassem. Ou quisessem ver-me muito longe de mim.
Na monda do arroz, as mulheres vestiam chapéus de palha do tamanho do Sol. Por causa dele. As abas colossais do chapéu rejeitavam o Sol que alourava o arroz. A água regava os pés das mulheres. Que sorriam. Cantavam ondas de alegria. Ao vento.
Na monda, os chapéus abavam-se na ânsia de não querer o Sol. Que era do arroz. Que elas viam a crescer. Adivinhavam pérolas de alegria. Ali.
Nas abas do chapéu poisavam os pardais para espreitar os rostos corados às raparigas. Por vezes, roubavam-lhes um beijo. E elas queixavam-se das ervas daninhas. Sorriam. Os pardais voltavam...por causa dos bagos de Sol...
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]