Hoje é sábado, mas não me é consentido falar… Por isso, vou apenas murmurar. E se alguém perceber? Não, é melhor suspirar … Ai que me estão a ouvir! Assim não dá. Irra! Tanto que me apetece gritar. Talvez, rumorejar. Ai, ai que me estão a escutar. Tenho mesmo é que me calar.
Shiu! Apetece-me arroz-doce. Com muita canela. Admirável. Só mais um segredo pequenino e muito baixinho, sim? Tanto que me apetece praguejar! Mas só poder cacarejar é muito pouco. E muito devagarinho, apetece concluir que não percebo nada disto... Se eu disser que anda meio mundo a fingir é apenas porque me apatece. Ou então sou eu, que não me apetece pensar. Ou não me apetece escrever. Pode apetecer! Ou não? Mas apetece-me ser barco. Procurar o mar e vaguear. Pular as ondas. As tempestades e os temporais. E não voltar ao cais. Apetece-me!
Porque ter e não ter é mesmo a questão. Ou ter até ver. Ou não ter e até ter. E que tenho eu? Não tenho voz para falar. Nem mesmo murmurar. Nem vontade para esbracejar. Apenas uma lágrima se lançou da janela. Sem saber onde fica o mar. Sem ter jeito para tocar viola. Porque não tem intenção de cantar. Só de chorar. E quando ter se conjuga sempre no presente e repentinamente já só tem condicional? Sem futuro. E com um pretérito muito imperfeito? Ter e perder, ai tanto que dói. E é neste instante que as letras se volatilizam e deixam as palavras nuas. E as frases despedaçam-se em interjeições que são frases excessivamente impressionáveis. E muitas admirações. E acentos. Graves. Também agudos. E tem pontos finais.
- Quem lá ia muitas vezes era o seu paizinho que Deus tem…
Não sei se tem! Se Deus tem o meu pai é porque já o levou. Se o pai é meu não o deveria ter eu? Não tenho notícia que o possessivo não especifique a posse. A sintaxe tem regras. O sujeito sou eu. Nem concordo que Ele mo tenha surripiado. Nem Lhe fica bem tamanha ousadia. Os pais são dos filhos, acabou-se a discussão. E os filhos dos pais. Mas não entendo a razão por que se roubam amores. Nem o regozijo a mim. Ter, não tenho. E ele tem? Tem!
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.
[Fernando Pessoa]